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segunda-feira, 28 de março de 2011

Discurso histórico de Lula no Uruguai




Pode juntar todos os artigos que FHC escreve no Globo e na Folha de SP que não se compara em nenhum quesito com o conteúdo do discurso do nosso eterno Presidente ..
 




Discurso de Luiz Inácio Lula da Silva


Por ocasião da cerimônia do 40o. aniversário da Frente Ampla. [Montevidéu, 25 de março de 2011]


Queridos companheiros e companheiras,


Estou profundamente honrado por ter sido convidado para dirigir-lhes a palavra neste ato de comemoração dos 40 anos da Frente Ampla.


Quero iniciar recordando um dezembro de 1993, quando vim pela primeira vez ao Uruguai.


Estava me preparando para ser, pela segunda vez, candidato a Presidente da República.


Precisei concorrer mais duas vezes para ser eleito!


Naquele dezembro de 1993, quando tive a oportunidade de sentir de perto a afetuosa hospitalidade deste país, conheci muitos companheiros frenteamplistas, que hoje aqui estão, como os fraternos amigos Tabaré Vázques e Pepe Mujica.


Mas conheci, igualmente, um grande companheiro, que não mais está entre nós.


Refiro-me ao inesquecível Líber Seregni, a quem presto hoje minha homenagem, como um dos maiores valores da Frente Ampla, da história do Uruguai e de toda a América Latina.


Dirigentes e militantes da Frente Ampla,


Nestas últimas décadas, a Frente Ampla mudou o panorama da política uruguaia, até então dominado por um sistema bi-partidário que não mais correspondia à evolução da sociedade.


Sua presença na cena nacional deu à política deste país uma nova qualidade.


Sei que seus militantes pagaram muitas vezes um alto preço por sua coerência e determinação durante o regime ditatorial, que infelicitou este país nos anos setenta e oitenta.


Mas sei, também, que a Frente foi fator decisivo no processo de democratização política do Uruguai, já muito antes de conquistar a Presidência da República.


Suas mobilizações foram fundamentais para impedir que a onda neo-liberal, que se abateu sobre todo nosso continente, prevalecesse no Uruguai.


Não fosse a luta da Frente Ampla, não fosse a resistência do movimento sindical e dos movimentos sociais, o Estado uruguaio teria sido desmontado pelos insensatos adoradores do mercado. Aqueles senhores que, em grande parte da América Latina, conseguiram privatizar o patrimônio público, desorganizar nossas economias, aumentar a pobreza e comprometer a soberania nacional. Aqui, felizmente, eles não tiveram o êxito que esperavam.


Em muitos de nossos países, eles deixaram um rastro de estagnação econômica e exclusão social.


Pior do que isso, agravaram a inflação que pretendiam combater e aprofundaram  nossa vulnerabilidade externa.


O povo uruguaio, com a intervenção crucial da Frente Ampla, não permitiu que isso acontecesse. Que fosse entregue às gerações futuras deste país um Estado raquítico, incapaz de regular democraticamente a economia e de promover o desenvolvimento.


Mas nossa região mudou.


Hoje, há uma nova América do Sul. Um continente que ergueu a cabeça, libertou-se das tutelas internacionais e resgatou a sua soberania. Um continente que recuperou a autoestima e voltou a acreditar em si mesmo, em sua capacidade de tornar-se cada vez mais próspero e justo.


Nossos países estão demonstrando na prática que é possível crescer de modo vigoroso e continuado mantendo a inflação baixa. Que é perfeitamente viável crescer distribuindo os frutos da expansão econômica para toda a sociedade. Crescer combatendo a pobreza e a desigualdade. Que esta é, aliás, a forma mais consistente e duradoura de desenvolver-se. A única justa e sustentável.


Vocês uruguaios, e nós brasileiros, que tanto nos opusemos às políticas recessivas e excludentes do passado, temos muito o que comemorar. Hoje, vivemos uma nova realidade. Podemos, sem nenhum triunfalismo, festejar o êxito das nossas economias, os extraordinários avanços sociais, a vitalidade de nossas democracias.


Não celebramos apenas valores éticos e morais – que constituem obviamente um patrimônio irrenunciável – mas também o acerto de nossa estratégia de desenvolvimento e de nossas políticas públicas emancipadoras, que estão mudando para melhor a vida das classes populares.


Ainda falta muito por fazer. Mas as conquistas históricas dos anos recentes justificam plenamente a nossa confiança no futuro.


Companheiros e Companheiras,


Como ex-Presidente da República, militante e dirigente do Partido dos Trabalhadores, sempre tive uma enorme afinidade com a Frente Ampla.


As políticas que Tabaré e Mujica implementaram no Uruguai são muito próximas daquelas que implementei no Brasil e que Dilma Rousseff está desenvolvendo agora.


Mas o PT e a Frente Ampla têm muito mais em comum.


Alguns já disseram que o PT é, em realidade, uma frente e que a Frente Ampla é um partido.


As duas afirmações têm um fundo de verdade.


Por uma razão muito simples: tanto a Frente, como o PT, são organizações plurais, profundamente democráticas. Somos capazes de combinar uma indispensável unidade de ação, com a valorização da diversidade e da democracia interna.


Abrigamos distintas correntes de pensamento progressista. Respeitamos nossas diferenças ideológicas, mas não abrimos mão, em hipótese alguma, do compromisso com os trabalhadores e o povo pobre.


Sabemos que, nas últimas décadas, as grandes correntes de esquerda entraram em crise no mundo.


Muitos ficaram órfãos de referências político-ideológicas. Nenhuma força progressista esteve imune à crise. Mas nem por isso cruzamos os braços, mergulhando na perplexidade ou na passividade política. Conosco, foi diferente: não abandonamos nossas convicções de base. Para nós, as doutrinas têm a sua importância, mas o principal é o compromisso de vida com o destino dos oprimidos. A esquerda autêntica supera seus desafios participando cada vez mais nas lutas concretas do povo. Nossa bússola são as aspirações populares por uma vida digna.


Por isso, fomos capazes de promover, em plena crise das ideologias, reformas sociais tão importantes em nossos países.


As esquerdas no Uruguai e no Brasil souberam mudar, mas sem mudar de lado.


Também por essa razão, nossas experiências de Governo e nossos partidos são hoje referências, tanto para a América Latina como para outras regiões do mundo.


Tudo isso nos impõe responsabilidades redobradas.


Precisamos continuar e aprofundar as transformações em nossos países, tendo claro que esse é trabalho para mais de uma geração.


Mas precisamos também reconstruir o pensamento de esquerda, enfatizando, sobretudo, nosso compromisso inegociável com a democracia.


Não queremos dar lições a ninguém. Não buscamos construir paradigmas ou elaborar “modelos”.


Mas temos a obrigação política e moral de explicitar para o mundo o cerne de nossa experiência histórica.


E essa experiência mostra claramente duas coisas.


Que não haverá socialismo se ele não for profunda e radicalmente democrático.


Tampouco haverá uma autêntica democracia política se não houver uma democracia econômica e social.


Essa combinação de democracia política com democracia econômica e social nos dá a chave para formularmos o projeto histórico que queremos construir.  É nossa missão dar consistência teórica e política a esse renovado ideal libertário. Tal consistência não virá somente dos livros. Ela surgirá sobretudo da luta dos trabalhadores e de nossa capacidade de refletir sobre os rumos da história.


Não poderá ser uma reflexão solitária, menos ainda confinada a um espaço nacional.


Mais do que uma constatação, cabe-nos fazer um convite, uma convocatória.


Nossos partidos – a Frente Ampla, o PT e outras organizações amigas da América Latina – têm de aprofundar sua relação, seu diálogo, para transmitir a outros movimentos o sentido de nossas experiências, com seus méritos, mas também com seus limites.


Eu ousaria dizer que há uma grande expectativa nesse sentido, inclusive por parte das esquerdas dos países desenvolvidos, que hoje enfrentam impasses profundos.


Aqueles que, sobretudo na Europa, observam o que está ocorrendo em nossa América, começam a dar-se conta, cada vez mais, de que seu Norte pode estar no Sul.


Companheiros e companheiras,


Não poderia deixar de destacar um aspecto fundamental da trajetória da Frente Ampla nestes quarenta anos de sua existência – seu compromisso com a integração sul-americana e latino-americana.


José Artigas, máximo líder da independência Oriental, foi um combatente pela liberdade muito além das fronteiras deste país.


Seguramente seu exemplo inspirou e continuará inspirando todos os que lutam pela pátria grande latino-americana.


A Frente Ampla sempre deu contribuições importantes a todas as iniciativas de integração regional, por meio das quais queremos garantir que a América do Sul tenha peso decisivo neste mundo multipolar que se está desenhando.


E os resultados desse processo de integração são cada vez mais positivos.


No terreno econômico, vivemos um momento muito promissor. Nunca houve tanto comércio entre os países da América do Sul. E o Mercosul, que amanhã completa 20 anos, é a locomotiva dessa expansão, o que só foi possível depois que conseguimos sepultar a proposta da ALCA, que não era de integração soberana, mas de anexação subalterna.


De 2003 a 2010, o comércio do Mercosul mais do que triplicou. Os investimentos produtivos conjuntos crescem de modo exponencial.


E o que é mais importante: a balança comercial e as relações entre os nossos países estão cada vez mais equilibradas. A integração está beneficiando a todos.


Nós, brasileiros, percebemos que só vale a pena o Brasil crescer e se tornar um país mais rico se os países vizinhos, os povos irmãos também crescerem e se tornarem mais ricos.


Temos consciência de que o caminho da integração não está isento de contradições e eventuais conflitos.


Mas estou certo de que saberemos construir instituições aptas a resolvê-los, porque aquilo que nos une é infinitamente mais importante do que aquilo que nos separa.


A verdadeira integração não pode ser apenas comercial. A parceria econômica é imprescindível, mas está longe de ser suficiente. A unidade do continente só será efetiva quando as nossas populações se conhecerem melhor, quando os sindicatos se articularem em escala regional, quando as nossas universidades tiverem um intercâmbio cotidiano, quando nossos cientistas estiverem pesquisando juntos, quando as nossas riquíssimas tradições culturais forem de fato compartilhadas. Quando a integração não for apenas dos produtos, ou dos Estados – mas dos povos.


Queridos amigos e amigas,


Permitam-me concluir dirigindo uma palavra à militância da Frente Ampla.


Vocês sabem melhor do que eu que a esquerda uruguaia conta com dirigentes de grande estatura moral e política. Líderes de extraordinária dignidade e maturidade, de inquebrantável amor ao seu país e ao seu povo. Líderes ouvidos e respeitados em toda a América Latina.


Mas conta também com uma admirável militância de base, espalhada por todo o país, sem a qual a trajetória da Frente, com certeza, não seria tão vitoriosa.


Feliz do povo que pode dispor de lutadores sociais e políticos tão generosos e tão dedicados ao bem comum.


Essa esplêndida militância é a prova de que o sonho igualitário não acabou. De que valeu a pena o sacrifício das gerações que nos precederam.


A força da Frente Ampla e de outras alianças populares da região mostra que chegou a vez do nosso continente. O século XXI tem tudo para ser o século da afirmação definitiva da América do Sul. Daquela América do Sul com que sonharam nossos próceres e pela qual deram suas vidas.


Uma comunidade de países soberanos, justos e desenvolvidos.


Viva a Frente Ampla!


Viva a querida República Oriental do Uruguai!


Viva a Pátria Grande Latino-Americana!

Agnelli não quer que a gente saiba quanto ele ganha

Uma singela homenagem aos que venderam a Vale na bacia das almas


A Comissão de Valores Mobiliários estabeleceu uma regra para companhias abertas, negociadas em Bolsa.

Um amigo navegante que lê com muita emoção a urubóloga Miriam Leitão telefona para contar que o Roger – é como ela se refere a ele – entrou com uma liminar para impedir que a CVM soubesse quanto ele ganha.

A CVM exige (quer dizer, a CVM não exige, ela implora) que as empresas informem o maior e o menor salário das diretorias.

Deve ser para saber se os executivos profissionais brasileiros  – como o Roger – fazem como seus pares nos Estados Unidos: as empresas quebram e eles ficam ricos.

O processo está em andamento.

É possível que o sucessor do Roger seja constrangido a abrir o jogo.

Este ansioso blogueiro, por exemplo, acionista da Vale, gostaria muito de saber quanto os executivos da empresa ganham.

Quer dizer, o ansioso blogueiro sabe.

O amigo navegante contou que os oito diretores da Vale – veja bem, amigo navegante – os oito diretores ganham R$ 80 milhões por ano.

Deve dar uma bobagem de um milhão por mês para cada um.

Bobagem.

Coisa pouca.

Muito executivo americano deve chorar de inveja.

Executivo europeu, então, coitado, chora no meio feio.

E o Roger ?

Bem, o Roger I e Único deve ganhar bem mais que um milhão por mês.

Fora os dois jatinhos.

Embora, como se sabe, ele prefira o Bombardier.

Onde já se viu o Roger andar de Legacy da Embraer ?

Não se esqueça, amigo navegante, de acompanhar a notável contribuição que ele deu ao PiG (*), com uma verba publicitária de fazer inveja às Casas Bahia.

Como se a Vale vendesse colchão !

O amigo navegante conta também uma excentricidade do Roger: o centro de informática da Vale fica no exterior.

Quer dizer: a única coisa brasileira de que ele realmente gosta é do minério de ferro.

Viva o Brasil !


Paulo Henrique Amorim

terça-feira, 15 de março de 2011

A superlua de 19 de março e o filme "Moon Rising "




Eu acho é que vai rolar boas ondas..


No dia 19 de março, os astrônomos calculam que a Lua estará a "apenas" 356.577 quilômetros da Terra, a maior aproximação desde 1992. O evento é conhecido como "superlua" e pode ser verificado a olho nu: o satélite natural surge maior e mais brilhante no céu. Para os astrônomos, é um evento menor e recorrente - houve superluas em 1955, 1974, 1992 e 2005. Mas, na internet, o fenômeno alimenta teorias apocalípticas: por causa da distância em relação ao nosso planeta, a força da gravidade do satélite natural poderia despertar vulcões, provocar terremotos e afetar o padrão climático da Terra.

A paranoia gira em torno do chamado "perigeu lunar". A Lua descreve em volta da Terra uma órbita elíptica - como um círculo achatado -, e assim a distância entre os astros varia. Perigeu é o ponto mais próximo da Terra. Apogeu é o mais distante. Nas teorias apocalípticas, o perigeu lunar foi responsável pelo tsunami de 2004, que devastou o Sudeste asiático, e o ciclone Tracy, que atingiu a Austrália em 1974.

Para astrônomos, a associação entre superluas e desastres naturais não passa de paranoia. "É possível que a Lua esteja um quilômetro ou dois mais perto da Terra do que um perigeu normal, mas isso é um evento extremamente insignificante", disse David Harland, historiador do espaço e escritor, ao jornal inglês Daily Mail. Pete Wheeler, pesquisador do Centro de Astronomia de Rádio da Austrália disse que "não haverá terremotos ou erupções - a menos que eles tenham que acontecer de qualquer forma".

Segundo o astrônomo australiano David Reneke, "com criatividade" qualquer desastre natural pode ser associado a corpos celestes. No passado, continua, algumas pessoas acreditavam que o alinhamento dos planetas poderia despedaçar o Sol. "A maré baixa será um pouco mais baixa e a alta um pouco mais alta", previu. "Só isso."

quarta-feira, 9 de março de 2011

Será que a alma revoltosa dos árabes chegou aos EUA?


"A luta que se desenvolve nas ruas de Wisconsin já se disseminou aos estados de Ohio, Indiana, Michigan e Illinois. Está reunindo apoios à medida que as pessoas reconhecem as questões fundamentais colocadas a nós, sobre o tipo de país que somos e o tipo de país que podemos tornar-nos."






Por Sharons Howell e Richard Feldman (04.03.2011), da ocupação em Madison, Wisconsin, EUA | Tradução: Bruno Cava


Os protestos massivos focados em Madison, capital do estado norte-americano do Wisconsin, trouxeram uma nova vida ao movimento trabalhista do país e nova esperança para as forças progressistas de todos os lugares.

Os protestos no Wisconsin constituem a primeira batalha no que promete ser uma longa luta, entre as pessoas preocupadas com o direito de controlar as condições de trabalho, e os governadores de estado determinados a utilizar a crise financeira para erodir ainda mais o poder do povo em organizar-se de modo autônomo. Presentemente, em cerca de um terço dos estados se esperam medidas similares, que tiram o amparo legal de reivindicações coletivas.

Intensifica-se a polarização nos EUA entre a direita e seus interesses corporativos, comprometidos em desmantelar os serviços do governo e privatizar cada aspecto da vida para o lucro, e a esquerda, que busca novas relações sociais entre os cidadãos, com outras nações e com o meio-ambiente.

Com a eleição de Barack Obama como primeiro presidente afro-americano, as forças da direita, particularmente sob a influência do Tea Party [NT. movimento populista ultraconservador, com ligações ideológicas com o Partido Republicano, de oposição, e os teóricos libertarians], de apresentadores de programas de auditório, e de institutos e fundações de pesquisa direitistas [NT. or. right-wing think tanks], aceleraram seus esforços em consolidar seu poder. Forças progressistas têm sido inábeis para responder à altura, emudecendo quanto ao balanço à direita de Obama e incapazes de contestar o corte dos impostos, no que acatam a mentalidade padrão dos políticos republicanos por todo o país.

Confrontando a direita

Se é ou não o caso que os protestos em Wisconsin podem levantar o tipo de questões fundamentais que moverão o povo americano em direção a uma sociedade mais justa e democrática é algo ainda a se conferir. Mas não há dúvida que as pessoas nas ruas já colocaram em questão valores críticos da vida pública. Idéias de solidariedade, cuidado com o outro, equidade e fortalecimento comunitário há muito haviam silenciado sob a ideologia neoliberal, fundada na busca imoderada do lucro individual e corporativo.

As pessoas reunidas nos corredores do palácio do governo do estado e nas ruas de Madison estão forçando o primeiro desafio a essa ideologia e seu sistema pernicioso de valores desde pelo menos uma década. Trata-se de questões bem-vindas, num momento oportuno, quando os americanos têm a oportunidade de olhar para o caminho adiante e questionar a si mesmos se possuem a vontade e a capacidade de ser algo melhor do que têm sido.

Esses protestos foram inesperados. Por décadas, o movimento trabalhista vem perdendo terreno à medida que os trabalhadores da base fabril diminuem de número. Hoje menos de 12% da força de trabalho está sindicalizada. Enquanto isso, a maior parte da liderança sindical está interessada em preservar os empregos que lhes restaram do que em contestar a ordem vigente ou assumir uma visão mais consistente do que vem acontecendo nos EUA. Por mais de duas décadas, os sindicatos não só tem feito concessões salariais, mas também assentiram em acordos desiguais de formas de pagamento, aumento de horas extras e redução de pensões e direitos. Outrora a força principal na defesa da dignidade e da importância do trabalho, a maioria dos sindicatos se tornou preocupada em preservar o Sonho Americano para seus próprios membros, pouco se importando com a comunidade ou aqueles de fora de seu sindicato.

Em 2011, o maior segmento da população sindicalizada está no setor dos serviços, especialmente funcionários públicos, como policiais, bombeiros, professores e profissionais da área da saúde. Embora essas mudanças tenham começado no princípio da década de 1960, com os desenvolvimentos tecnológicos da produção e a crescente mobilidade do capital, aceleraram com a eleição de Ronald Reagan em 1980.

O longo assalto aos sindicatos

Reagan se aproveitou do descontentamento de trabalhadores brancos, na maioria homens, que se sentiram ameaçados pelos avanços dos direitos civis, do black power e dos movimentos feministas dos anos 1960 e 70. Com a memória fresca da derrota no Vietnã, das crises do petróleo e dos reféns americanos no Irã em 1979, que realçaram um sentimento de fragilidade, Reagan prometeu restaurar o poder americano sobre o mundo. No seu discurso de posse, em janeiro de 1981, ele propôs reduzir o aparato de governo, diminuir impostos e fortalecer o arsenal militar. Ele disse: “Na medida em que nos renovarmos aqui em nossa terra, seremos vistos como possuindo mais força através do mundo. Vamos novamente ser um exemplo de liberdade e um farol de esperança àqueles que agora não são livres.”

Naquele ano, Reagan enfrentou uma greve dos controladores de vôo, que queriam melhores condições de trabalho e maiores salários. A greve violou a lei americana e Reagan declarou-a “ameaça à segurança nacional”, ordenando a volta imediata de todos ao trabalho. Muitos se recusaram. Reagan despediu cerca de 11.000 pessoas e baniu-os de trabalhar novamente no governo federal.

Numa das reviravoltas cruéis da história, esses despedidos faziam parte do grupo sindicalizado que, na maioria, havia apoiado Reagan e sua ideologia. Agora, o legado de reação dura contra reivindicações coletivas foi invocado pelo governador de Wisconsin, para justificar seus esforços em desmantelar ainda mais os direitos sindicais.

Olhando no espelho

Essa é uma das razões porque o potencial desse movimento emergente, em fazer o país avançar, dependerá em quanto os sindicatos e as pessoas que os apóiam forem capazes de ver criticamente o seu papel, em criar a crise atual. As idéias de corte de impostos, de privatização de serviços públicos, de avaliar as coisas somente em termos de como elas afetam nossos próprios bolsos, não eram exclusividade apenas das elites corporativas. A vasta maioria dos americanos abraçou essas idéias. Muitos de nós apoiamos e encorajamos o ideário que agora ameaça destruir as fundações da responsabilidade coletiva.

Como um povo, temos tentado ver de outra forma como o poderio militar tem sido usado ao redor do globo, para assegurar os recursos necessários ao estilo de vida insustentável da maior parte dos EUA. A menos que estejamos dispostos a olhar no espelho e reavaliar os valores que abraçamos em nome do Sonho Americano, este momento, tornado possível por nossos irmãos e irmãs no Wisconsin, acabará se perdendo, deixando a direita ainda mais incrustada no nosso governo e abrindo o caminho para que nosso país seja um perigo ainda maior ao mundo.

Como um teórico americano revolucionário chamado James Boggs (www.boggscenter.org) disse em seu importante trabalho de pensamento dialético, a mudança revolucionária chega ao povo quando ele “adquire forças para lutar contra um inimigo externo como conseqüência de uma batalha prévia contra suas próprias limitações e contradições internas. Nenhum potencial revolucionário jamais se tornou uma força social revolucionária sem antes passar por uma luta interior pela superação de suas limitações e fraquezas”.

Pontos cruciais de luta

Para que o ímpeto desencadeado em Wisconsin possa crescer numa força revolucionária para transformar os EUA num país mais responsável socialmente, existem quatro pontos-chave para lutar.

Primeiro, o povo americano precisa perceber que o Sonho Americano chegou ao fim, bem como o império que o sustenta. Isto significa que não apenas temos de reconhecer a concentração das riquezas nas elites, mas também que boa parte da riqueza da classe trabalhadora americana tem sido garantida à custa do meio-ambiente e de outros povos pelo mundo. Temos de perguntar a nós mesmos se estamos preparados a viver com mais simplicidade, para que outros possam simplesmente viver.

Segundo, precisamos estar dispostos a fazer novas perguntas sorbe como reconstruir a vida da comunidade, e não só o avanço individual. Estamos preparados pra seguir com uma filosofia em que só melhoramos individualmente a nossa vida à custa de concidadãos e comunidades?

Terceiro, estamos dispostos a continuar relacionando-nos com os outros mediante atitudes distorcidas e desumanizadoras, com base em preconceitos de raça, gênero, religião, nacionalidade e diferenças de capacidade?

Finalmente, estamos preparados para desmantelar o poderio militar sobre o qual o império americano se sustenta? Com mais de 700 bases militares pelo mundo, uma economia dependente da produção bélica e um compromisso com a guerra perpétua no Oriente Médio, os EUA, nós precisamos não apenas sair da lógica da guerra, mas também admitir a responsabilidade pela tremenda destruição que criamos.

Noutro momento revolucionário na história, o Dr. Martin Luther King Jr. desafiou-nos a superar o tripé gigantesco do racismo, do egoísmo material [or. materialism] e do militarismo. Nós enquanto povo deixamos de lado esse desafio. Como o Dr. King previu, nós nos encontramos repetidamente do “lado errado das revoluções no mundo”.

Outros EUA estão acontecendo.

Nas últimas duas décadas, estas questões fundamentais formaram o pano de fundo para os esforços das pessoas dentro dos EUA, em construir uma cultura afirmativa da vida. Nas cidades abandonadas pela produção capitalista, nas periferias e reservas usadas somente por sua mão-de-obra e recursos, e nos sindicatos que batalham por se tornarem mais democráticos e reconectarem-se a suas comunidades, as pessoas têm desenvolvido novos modos de produzir juntas, redefinindo valores comuns e aprofundando o nosso entendimento sobre o bem comum.

Em nossa cidade natal, Detroit, temos testemunhado o renascimento de laços de comunidade através de um movimento urbano vibrante, a disposição em redefinir a educação numa base local, onde os estudantes são vistos como núcleo da reconstrução das comunidades e e dos esforços em transformar zonas de guerra em zonas de paz, criando novos vínculos entre vizinhos, resolvendo problemas com preocupação e respeito.
Esses esforços, acontecendo por fora da visão da mídia dominante, alimentaram a energia do segundo Fórum Social dos EUA [NT. ocorrido em junho de 201o], que proclamou: “Outro mundo é necessário, outro mundo é possível” e “outro mundo acontece aqui em Detroit”.

A luta que se desenvolve nas ruas de Wisconsin já se disseminou aos estados de Ohio, Indiana, Michigan e Illinois. Está reunindo apoios à medida que as pessoas reconhecem as questões fundamentais colocadas a nós, sobre o tipo de país que somos e o tipo de país que podemos tornar-nos.

Richard Feldman e Sharons Howell são ativistas do movimento trabalhista norte-americano.