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quarta-feira, 29 de junho de 2011

Tem muita gordura pra queimar





A Anfavea, associação dos fabricantes de veículos, apresentou ontem (29) o seu Estudo de Competitividade no Setor Automobilístico, para mostrar ao governo o que considera uma “injusta concorrência” da indústria instalada no Brasil em relação aos importadores. 

Cledorvino Belini, presidente da entidade, responsabiliza os custos dos insumos pelo alto preço do carro feito no Brasil. Disse que o aço custa 50% mais caro no Brasil em relação a outros países e que a energia no País é uma das mais caras do mundo. 

Os fabricantes consideram que o custo dos insumos encarece e prejudica a competitividade da indústria nacional. “O aço comprado no Brasil é 40% mais caro do que o importado da China, que usa minério de ferro brasileiro para a produção”, disse Belini. Ele apontou também os custos com a logística como um problema da indústria nacional e criticou a oneração do capital: “É preciso que o governo desonere o capital nos três setores: cadeia produtiva, na infraestrutura e na exportação de tributos”. 

Mas para os importadores, o que os fabricantes querem é se defender de uma queda na participação das vendas internas, o que vem acontecendo desde a abertura do mercado, há duas décadas. 

“As montadoras tradicionais tentam evitar a perda de participação tanto para as novas montadoras quanto para as importadoras”, disse José Carlos Gandini, presidente da Kia e da Abeiva, a associação dos importadores de veículos. “Mas o dólar é o mesmo pra todo mundo. As montadoras também compram componentes lá fora.” 

Gandini disse que os carros importados já são penalizados; que as fábricas instaladas aqui estão protegidas por uma alíquota de 35% aplicada no preço do carro estrangeiro, por isso não se trata de uma concorrência desleal: “ao contrário, as grandes montadoras não querem é abrir mão da margem de lucro”. 

Na verdade, o setor tem (muita) gordura pra queimar, tanto às fábricas instaladas aqui quanto os importadores. O preço de alguns carros baixou até 20% ou 30% depois da crise econômica, por causa da grande concorrência. 

O Azera, da Hyundai, chegou a ser vendido por R$ 110 mil. Hoje custa R$ 70 mil. Claro que a importadora não está tendo prejuízo vendendo o carro por R$ 70 mil. Então, tinha um lucro adicional de R$ 40 mil, certo? Se você considerar que o carro paga mais 35% de alíquota de importação, além de todos os impostos pagos pelos carros feitos no Brasil, dá pra imaginar o lucro das montadoras. 

Um exemplo recente revela que o preço pode ser remanejado de acordo com as condições do mercado: uma importadora fez um pedido à matriz de um novo lançamento, mas foi apenas parcialmente atendida, recebeu a metade do volume solicitado. Então, “reposicionou” o carro para um patamar de preço superior, passando de R$ 75 mil para R$ 85 mil. 

A GM chegou a vender um lote do Classic com desconto de 35% para uma locadora paulista, segundo um ex-executivo da locadora em questão.



Entre os carros fabricados aqui, Fiesta, C3, Línea receberam mais equipamentos e baixaram os preços, depois da chegada dos chineses, que vieram completos e mais baratos que os concorrentes. 

Um consultor explicou como é feita a formação do preço: ao lançar o carro, o fabricante verifica a concorrência. Caso não tenha referência no mercado, posiciona o preço num patamar superior. Se colar, colou. Caso contrário passa a dar bônus para a concessionária até reposicionar o produto num preço que o consumidor está disposto a pagar. 

A propósito, a estratégia vale para qualquer produto, de qualquer setor. 


Mini no tamanho, big no preço 

Míni Cooper, Cinquecento e Smart, são conceitos diferentes de um carro comum: embora menores do que os carros da categoria dos pequenos, eles proporcionam mais conforto, sem contar o cuidado e o requinte com que são construídos. São carros chiques, equipados, destinados a um público que quer se exibir, que quer estar na moda, que paga R$ 50 ou R$ 60 mil por um carro menor do que o Celta, que custa R$ 30 mil. 
O Smart (R$ 50 mil) tem quatro airbags, ar-condicionado digital, freios ABS com EBD, controle de tração e controle de estabilidade. O Cinquencento (R$ 60 mil) vem com sete airbags, banco de couro, ar-condicionado digital, teto solar, controle de tração. E quem comprar o minúsculo Míni Cooper vai pagar a pequena fortuna de R$ 105 mil. 

Mesmo com todos esses equipamentos, os preços desses carros são muito altos, incomparáveis com os preços dos mesmos carros em seus países de origem. (A Fiat vai lançar no mês que vem o Cinquecento feito nom México, o que deve baratear o preço final.) 

Os chineses estão mudando esse quadro. O QQ, da Chery, vem a preço de popular mesmo recheado de equipamentos, alguns deles inexistentes mesmo em carros de categoria superior, como airbag duplo e ABS, além de CD Player, sensor de estacionamento. O carro custa R$ 22.990,00, isso porque o importador sofreu pressão das concessionárias para não baixar o preço ainda mais. 

“A idéia original – disse o presidente da Chery no Brasil, Luiz Curi – era vender o QQ por R$ 19,9 mil”. Segundo Curi, o preço do QQ poderá chegar a menos de R$ 20 mil na versão 1.0 flex, que chega no ano que vem. Hoje o carro tem motor 1.1 litro e por isso recolhe o dobro do IPI do 1000cc, ou 13%, isso além dos 35% de Imposto de Importação. 

Por isso não dá para acreditar que as montadoras têm “um lucro de R$ 500,00 no carro de 1000cc”, como costumam alardear alguns fabricantes.

Tem é muita gordura pra queimar 

As fábricas reduzem os custos com o aumento da produção, espremem os fornecedores, que reclamam das margens limitadas, o governo reduz impostos, como fez durante a crise, as vendas explodem e o Brasil se torna o quarto maior mercado consumidor e o sexto maior produtor. E o Lucro Brasil permanece inalterado, obrigando o consumidor a comprar o carro mais caro do mundo.

Leia abaixo a 1º e 2º parte da reportagem

Colaboraram Ademir Gonçalves e Luiz Cipolli

Aula Espetáculo de Ariano Suassuna

Olavo de Carvalho fala sobre o Mackenzie e Luiz Mott



terça-feira, 28 de junho de 2011

Sobre o preço dos carros brasileiros - Do Luis Nassif



Por Ricardo Montero

Fazendo as contas na prática: por que os carros custam tão caro no Brasil?

A Nassif, a maioria das pessoas acredita piamente na lenga-lenga de que “os carros no Brasil são caros por culpa dos impostos”. Meia-verdade, ou mesmo falsa verdade, em muito conveniente aos fabricantes, que por conta disso aqui praticam preços dos mais abusivos.

Um exemplo claro que demonstra a ganância de nossos fabricantes e importadores é a station wagon Renault Mégane Grand Tour. Meses atrás, ela custava R$59 mil. Com a saída de linha do sedan Mégane (substituído em nosso mercado pelo sedan Fluence), a Renault “realinhou” o preço da Grand Tour, com a intenção de mantê-la em linha enquanto houver demanda. De uma tacada só, o preço foi cortado em R$10 mil, passando a R$49 mil, em versão única sem opcionais. Como o carro manteve exatamente os mesmos equipamentos de série (ar condicionado, direção assistida, vidros elétricos, travas elétricas, retrovisores elétricos, rodas de liga leve, equipamento de som, freios ABS e airbag duplo), resta concluir que o veículo tinha o preço inflado em ao menos 20%.

Segundo a revista Quatro Rodas, o imposto em um carro vendido no Brasil varia entre 27,1% e 36,4% do preço final do carro – o primeiro valor, referente a veículos 1.0; o último, veículos acima de 2.0 movidos à gasolina. Nos EUA,  se cobra 6,1%, valor este entre os mais baixos do mundo.

Para exemplificar a ganância das fábricas e importadoras brasileiras, comparemos carros iguais – no caso, modelos Toyota Corolla, que estão na mesma geração de design tanto aqui quanto nos EUA. Tratam-se de carros virtualmente idênticos, tanto aqui quanto lá. No preço final de um Corolla brasileiro, temos 29,2% de impostos (veículo entre 1.0 e 2.0, álcool ou “flex”). Considerando as tabelas de preços e um dólar camarada a R$1,65, temos:

Corolla (básico, câmbio manual - topo de linha, completo): 

preço BR: R$63.000 - R$87.000
preço BR sem imposto: R$44.604 - R$61.596
preço BR sem imposto: U$27.032 - U$37.330
preço EUA: U$15.900 - 19.800
preço EUA sem imposto: U$14.930 - U$18.592

Ou seja: descontados os impostos, um Corolla básico custa no Brasil 81% a mais que nos EUA. O topo de linha custa no Brasil 100% mais que o similar vendido nos EUA!

Nada contra a Toyota em particular, uma vez que TODOS os fabricantes e importadores no Brasil parecem trabalhar com margens gordas, muito além do razoável. Usei o Corolla como exemplo apenas pela facilidade de comparação, dada a evidente semelhança do produto ofertado aqui e na América do Norte.

Em suma, essa papagaiada que todo mundo repete de custo Brasil, impostos, etc, é injustificável quando se vê o mesmo carro saindo do portão do fabricante ou importador pelo dobro do preço praticado nos EUA. Trata-se de mera lenga-lenga para iludir incautos consumidores, que pagam pequenas fortunas por um carro e depois saem falando mal do governo, da carga tributária, etc – tudo isso enquanto fabricantes e importadores enchem as burras em um mercado que consumidores irracionalmente pagam qualquer preço para ter um “zero quilômetro” na garagem. Mas enfim, enquanto o consumidor se sujeitar a trocar de carro por moda e status, enquanto aceitar pagar preços extorsivos, nada mudará...

Por que o carro é mais barato na Argentina e no Chile?

- Veja o que as montadoras falam (e o que não falam) sobre o assunto

- O Lucro Brasil não fica só na montadora, mas em toda a cadeia produtiva




A ACARA, Associacion de Concessionários de Automotores De La Republica Argentina, divulgou no congresso dos distribuidores dos Estados Unidos (N.A.D.A), em São Francisco, em fevereiro deste ano, os valores comercializados do Corolla em três países:

No Brasil o carro custa US$ 37.636,00, na Argentina US$ 21.658,00 e nos EUA US$ 15.450,00.

Outro exemplo de causar revolta: o Jetta é vendido no México por R$ 32,5 mil. No Brasil esse carro custa R$ 65,7 mil.
Por que essa diferença? Vários dirigentes foram ouvidos com o objetivo de esclarecer o “fenômeno”. Alguns “explicaram”, mas não justificaram. Outros se negaram a falar do assunto.

Quer mais? O Gol I-Motion com airbags e ABS fabricado no Brasil é vendido no Chile por R$ 29 mil. Aqui custa R$ 46 mil.
O Corolla não é exceção. O Kia Soul, fabricado na Coréia, custa US$ 18 mil no Paraguai e US$ 33 mil no Brasil. Não há imposto que justifique tamanha diferença de preço. 

A Volkswagen não explica a diferença de preço entre os dois países. Solicitada pela reportagem, enviou o seguinte comunicado:

“As principais razões para a diferença de preços do veículo no Chile e no Brasil podem ser atribuídas à diferença tributária e tarifária entre os dois países e também à variação cambial”.



Questionada, a empresa enviou nova explicação:

“As condições relacionadas aos contratos de exportação são temas estratégicos e abordados exclusivamente entre as partes envolvidas”.


Nenhum dirigente contesta o fato de o carro brasileiro ser caro. Mas o assunto é tão evitado que até mesmo consultores independentes não arriscam a falar, como o nosso entrevistado, um ex-executivo de uma grande montadora, hoje sócio de uma consultoria, e que pediu para não ser identificado.

Ele explicou que no segmento B do mercado, onde estão os carros de entrada, Corsa, Palio, Fiesta, Gol, a margem de lucro não é tão grande, porque as fábricas ganham no volume de venda e na lealdade à marca. Mas nos segmentos superiores o lucro é bem maior.

O que faz a fábrica ter um lucro maior no Brasil do que no México, segundo consultor, é o fato do México ter um “mercado mais competitivo” (?).

Um dirigente da Honda, ouvido em off, responsabilizou o “drawback”, para explicar a diferença de preço do City vendido no Brasil e no México. O “drawback” é a devolução do imposto cobrado pelo Brasil na importação de peças e componentes importados para a produção do carro. Quando esse carro é exportado, o imposto que incidiu sobre esses componentes é devolvido, de forma que o “valor base” de exportação é menor do que o custo industrial, isto é: o City é exportado para o México por um valor menor do que os R$ 20,3 mil. Mas quanto é o valor dos impostos das peças importadas usadas no City feito em Sumaré? A fonte da Honda não responde, assim como outros dirigentes da indústria se negam a falar do assunto.
Mas quanto poderá ser o custo dos equipamentos importados no City? Com certeza é menor do que a diferença de preço entre o carro vendido no Brasil e no México (R$ 15 mil).

A conta não bate e as montadoras não ajudam a resolver a equação. Apesar da grande concorrência, nenhuma das montadoras ousa baixar os preços dos seus produtos. Uma vez estabelecido, ninguém quer abrir mão do apetitoso “Lucro Brasil”.

Ouvido pela AutoInforme, quando esteve em visita a Manaus, o presidente mundial da Honda, Takanobu Ito, respondeu que, retirando os impostos, o preço do carro no Brasil é mais caro que em outros países porque “aqui se pratica um preço mais próximo da realidade. Lá fora é mais sacrificado vender automóveis”.

Ele disse que o fator câmbio pesa na composição do preço do carro no Brasil, mas lembrou que o que conta é o valor percebido. “O que vale é o preço que o mercado paga”.

E porque o consumidor brasileiro paga mais do que os outros?

“Eu também queria entender – respondeu Takanobu Ito – a verdade é que o Brasil tem um custo de vida muito alto. Até os sanduíches do McDonalds aqui são os mais caros do mundo”.

“Se a moeda for o Big Mac – confirmou Sérgio Habib, que foi presidente da Citroën e hoje é importador da chinesa JAC - o custo de vida do brasileiro é o mais caro do mundo. O sanduíche custa US$ 3,60 lá e R$ 14,00 aqui”. Sérgio Habib investigou o mercado chinês durante um ano e meio à procura por uma marca que pudesse representar no Brasil. E descobriu que o governo chinês não dá subsídio à indústria automobilística; que o salário dos engenheiros e dos operários chineses não são menores do que os dos brasileiros.

“Tem muita coisa errada no Brasil – disse Habib, não é só o preço do carro que é caro. Um galpão na China custa R$ 400,00 o metro quadrado, no Brasil custa R$ 1,2 mil. O frete de Xangai e Pequim custa US$ 160,00 e de São Paulo a Salvador R$ 1,8 mil”.

Para o presidente da PSA Peugeot Citroën, Carlos Gomes, os preços dos carros no Brasil são determinados pela Fiat e pela Volkswagen. “As demais montadoras seguem o patamar traçado pelas líderes, donas dos maiores volumes de venda e referência do mercado”, disse.

Fazendo uma comparação grosseira, ele citou o mercado da moda, talvez o que mais dita preço e o que mais distorce a relação custo e preço:

“Me diga, por que a Louis Vuitton deveria baixar os preços das suas bolsas?”, questionou.

Ele se refere ao “valor percebido” pelo cliente. É isso que vale.

“O preço não tem nada a ver com o custo do produto. Quem define o preço é o mercado”, disse um executivo da Mercedes-Benz, para explicar porque o brasileiro paga R$ 265.00,00 por uma ML 350, que nos Estados Unidos custa o equivalente a R$ 75 mil.

“Por que baixar o preço se o consumidor paga?”, explicou o executivo.

Amanhã a terceira e última parte da reportagem especial LUCRO BRASIL: “Quando um carro não tem concorrente direto, a montadora joga o preço lá pra cima. Se colar, colou”.

Leia abaixo a 1º parte da reportagem

Colaboraram Ademir Gonçalves e Luiz Cipolli

Lucro Brasil faz o consumidor pagar o carro mais caro do mundo




O Brasil tem o carro mais caro do mundo. Por quê? Os principais argumentos das montadoras para justificar o alto preço do automóvel vendido no Brasil são a alta carga tributária e a baixa escala de produção. Outro vilão seria o “alto valor da mão de obra”, mas os fabricantes não revelam quanto os salários – e os benefícios sociais - representam no preço final do carro. Muito menos os custos de produção, um segredo protegido por lei.

A explicação dos fabricantes para vender no Brasil o carro mais caro do mundo é o chamado Custo Brasil, isto é, a alta carga tributária somada ao custo do capital, que onera a produção. Mas as histórias que você verá a seguir vão mostrar que o grande vilão dos preços é, sim, o Lucro Brasil. Em nenhum país do mundo onde a indústria automobilística tem um peso importante no PIB, o carro custa tão caro para o consumidor. 

A indústria culpa também o que chama de Terceira Folha pelo aumento do custo de produção: gastos com funcionários, que deveriam ser papel do estado, mas que as empresas acabam tendo que assumir, como condução, assistência médica e outros benefícios trabalhistas.

Com um mercado interno de um milhão de unidades em 1978, as fábricas argumentavam que seria impossível produzir um carro barato. Era preciso aumentar a escala de produção para, assim, baratear os custos dos fornecedores e chegar a um preço final no nível dos demais países produtores. 

Pois bem: o Brasil fechou 2010 como o quinto maior produtor de veículos do mundo e como o quarto maior mercado consumidor, com 3,5 milhões de unidades vendidas no mercado interno e uma produção de 3,638 milhões de unidades.
Três milhões e meio de carros não seria um volume suficiente para baratear o produto? Quanto será preciso produzir para que o consumidor brasileiro possa comprar um carro com preço equivalente ao dos demais países? 

Segundo Cledorvino Belini, presidente da Anfavea, “é verdade que a produção aumentou, mas agora ela está distribuída em mais de 20 empresas, de modo que a escala continua baixa”. Ele elegeu um novo patamar para que o volume possa propiciar uma redução do preço final: cinco milhões de carros.  


A carga tributária caiu e o preço do carro subiu

O imposto, o eterno vilão, caiu nos últimos anos. Em 1997, o carro 1.0 pagava 26,2% de impostos, o carro com motor até 100cv recolhia 34,8% (gasolina) e 32,5% (álcool). Para motores mais potentes o imposto era de 36,9% para gasolina e 34,8% a álcool. 

Hoje – com os critérios alterados – o carro 1.0 recolhe 27,1%, a faixa de 1.0 a 2.0 paga 30,4% para motor a gasolina e 29,2% para motor a álcool. E na faixa superior, acima de 2.0, o imposto é de 36,4% para carro a gasolina e 33,8% a álcool. 

Quer dizer: o carro popular teve um acréscimo de 0,9 ponto percentual na carga tributária, enquanto nas demais categorias o imposto diminuiu: o carro médio a gasolina paga 4,4 pontos percentuais a menos. O imposto da versão álcool/flex caiu de 32,5% para 29,2%. No segmento de luxo, o imposto também caiu: 0,5 ponto no carro e gasolina (de 36.9% para 36,4%) e 1 ponto percentual no álcool/flex. 

Enquanto a carga tributária total do País, conforme o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, cresceu de 30,03% no ano 2000 para 35,04% em 2010, o imposto sobre veículo não acompanhou esse aumento. 

Isso sem contar as ações do governo, que baixaram o IPI (retirou, no caso dos carros 1.0) durante a crise econômica. A política de incentivos durou de dezembro de 2008 a abril de 2010, reduzindo o preço do carro em mais de 5% sem que esse benefício fosse totalmente repassado para o consumidor. 

As montadoras têm uma margem de lucro muito maior no Brasil do que em outros países. Uma pesquisa feita pelo banco de investimento Morgan Stanley, da Inglaterra, mostrou que algumas montadoras instaladas no Brasil são responsáveis por boa parte do lucro mundial das suas matrizes e que grande parte desse lucro vem da venda dos carros com aparência fora-de-estrada. Derivados de carros de passeio comuns, esses carros ganham uma maquiagem e um estilo aventureiro. 
Alguns têm suspensão elevada, pneus de uso misto, estribos laterais. Outros têm faróis de milha e, alguns, o estepe na traseira, o que confere uma aparência mais esportiva.  




A margem de lucro é três vezes maior que em outros países 

O Banco Morgan concluiu que esses carros são altamente lucrativos, têm uma margem muito maior do que a dos carros dos quais são derivados. Os técnicos da instituição calcularam que o custo de produção desses carros, como o CrossFox, da Volks, e o Palio Adventure, da Fiat, é 5 a 7% acima do custo de produção dos modelos dos quais derivam: Fox e Palio Weekend. Mas são vendidos por 10% a 15% a mais. 

O Palio Adventure (que tem motor 1.8 e sistema locker), custa R$ 52,5 mil e a versão normal R$ 40,9 mil (motor 1.4), uma diferença de 28,5%. No caso do Doblò (que tem a mesma configuração), a versão Adventure custa 9,3% a mais. 

O analista Adam Jonas, responsável pela pesquisa, concluiu que, no geral, a margem de lucro das montadoras no Brasil chega a ser três vezes maior que a de outros países. 

O Honda City é um bom exemplo do que ocorre com o preço do carro no Brasil. Fabricado em Sumaré, no interior de São Paulo, ele é vendido no México por R$ 25,8 mil (versão LX). Neste preço está incluído o frete, de R$ 3,5 mil, e a margem de lucro da revenda, em torno de R$ 2 mil. Restam, portanto R$ 20,3 mil. 

Adicionando os custos de impostos e distribuição aos R$ 20,3 mil, teremos R$ 16.413,32 de carga tributária (de 29,2%) e R$ 3.979,66 de margem de lucro das concessionárias (10%). A soma dá R$ 40.692,00. Considerando que nos R$ 20,3 mil faturados para o México a montadora já tem a sua margem de lucro, o “Lucro Brasil” (adicional) é de R$ 15.518,00: R$ 56.210,00 (preço vendido no Brasil) menos R$ 40.692,00. 

Isso sem considerar que o carro que vai para o México tem mais equipamentos de série: freios a disco nas quatro rodas com ABS e EBD, airbag duplo, ar-condicionado, vidros, travas e retrovisores elétricos. O motor é o mesmo: 1.5 de 116cv.
Será possível que a montadora tenha um lucro adicional de R$ 15,5 mil num carro desses? O que a Honda fala sobre isso? Nada. Consultada, a montadora apenas diz que a empresa “não fala sobre o assunto”. 

Na Argentina, a versão básica, a LX com câmbio manual, airbag duplo e rodas de liga leve de 15 polegadas, custa a partir de US$ 20.100 (R$ 35.600), segundo o Auto Blog. 

Já o Hyundai ix35 é vendido na Argentina com o nome de Novo Tucson 2011 por R$ 56 mil, 37% a menos do que o consumidor brasileiro paga por ele: R$ 88 mil. 

Leia amanhã a 2º parte da reportagem especial LUCRO BRASIL: Por que o mesmo carro é mais barato na Argentina e no Chile?

Colaboraram Ademir Gonçalves e Luiz Cipolli

"O melhor ministro de FHC", Lindberg Farias, senador PT-RJ

 
Morreu de infarto, no último dia 25, aos 65 anos, Paulo Renato Souza, fundador do PSDB. Paulo Renato foi Ministro da Educação no governo FHC, Deputado Federal pelo PSDB paulista, Secretário da Educação de São Paulo no governo José Serra e lobista de grupos privados. Exerceu outras atividades menos noticiadas pela mídia brasileira.
 
Nas hagiografias de Paulo Renato publicadas nos últimos dois dias, faltaram alguns detalhes. A Folha de São Paulo escalou Eliane Cantanhêde para dizer que Paulo Renato deixou um “legado e tanto” como Ministro da Educação. Esqueceu-se de dizer que esse “legado” incluiu o maior êxodo de pesquisadores da história do Brasil, nem uma única universidade ou escola técnica federal criada, nem um único aumento salarial para professores, congelamento do valor e redução do número de bolsas de pesquisa, uma onda de massivas aposentadorias precoces (causadas por medidas que retiravam direitos adquiridos dos docentes), a proliferação do “professor substituto” com salário de R$400,00 e um sucateamento que impôs às universidades federais penúria que lhes impedia até mesmo de pagar contas de luz. No blog de Cynthia Semíramis, é possível ler depoimentos às dezenas sobre o que era a universidade brasileira nos anos 90.
 
Ainda na Folha de São Paulo, Gilberto Dimenstein lamentou que o tucanato não tenha seguido a sugestão de Paulo Renato Souza de “lançar uma campanha publicitária falando dos programas de complementação de renda”. Dimenstein pareceu desconsolado com o fato de que “o PSDB perdeu a chance de garantir uma marca social”, atribuindo essa ausência a uma mera falha na campanha publicitária. O leitor talvez possa compreender melhor o lamento de Dimenstein ao saber que a sua Associação Cidade Escola Aprendiz recebeu de São Paulo a bagatela de três milhões, setecentos e vinte e cinco mil, duzentos e vinte e dois reais e setenta e quatro centavos, só no período 2006-2008.
 
Não surpreende que a Folha seja tão generosa com Paulo Renato. Gentileza gera gentileza, como dizemos na internet. A diferença é que a gentileza de Paulo Renato com o Grupo Folha foi sempre feita com dinheiro público. Numa canetada sem licitação, no dia 08 de junho de 2010, a FDE da Secretaria de Educação de São Paulo transfere para os cofres da Empresa Folha da Manhã S.A. a bagatela de R$ 2.581.280,00, referentes a assinaturas da Folha para escolas paulistas. Quatro anos antes, em 2006, a empresa Folha da Manhã havia doado a curiosa quantia – nas imortais palavras do Senhor Cloaca – de R$ 42.354,30 à campanha eleitoral de Paulo Renato. Foi a única doação feita pelo grupo Folha naquela eleição. Gentileza gera gentileza.
 
Mas que não se acuse Paulo Renato de parcialidade em favor do Grupo Folha. Os grupos Abril, Estado e Globo também receberam seus quinhões, sempre com dinheiro público. Numa única canetada do dia 28 de maio de 2010, a empresa S/A Estado de São Paulo recebeu dos cofres públicos paulistas–sempre sem licitação, claro, porque “sigilo” no fiofó dos outros é refresco–a módica quantia de R$ 2.568.800,00, referente a assinaturas do Estadão para escolas paulistas. No dia 11 de junho de 2010, a Editora Globo S.A. recebe sua parte no bolo, R$ 1.202.968,00, destinadas a pagar assinaturas da Revista Época. No caso do grupo Abril, a matemática é mais complicada. São 5.200 assinaturas da Revista Veja no dia 29 de maio de 2010, totalizando a módica quantia de R$1.202.968,00, logo depois acrescida, no dia 02 de abril, da bagatela de R$ 3.177.400, 00, por Guias do Estudante – Atualidades, material de preparação para o Vestibular de qualidade, digamos, duvidosíssima. O caso de amor entre Paulo Renato e o Grupo de Civita é uma longa história. De 2004 a 2010, a Fundação para o Desenvolvimento da Educação de São Paulo transfere dos cofres públicos para a mídia pelo menos duzentos e cinquenta milhões de reais, boa parte depois da entrada de Paulo Renato na Secretaria de Educação.
 
Mas que não se acuse Paulo Renato de parcialidade em favor dos grandes grupos de mídia brasileiros. Ele também atuou diligentemente em favor de grupos estrangeiros, muito especialmente a Fundação Santillana, pertencente ao Grupo Prisa, dono do jornal espanhol El País. Trata-se de um jornal que, como sabemos, está disponível para leitura na internet. Isso não impediu que a Secretaria de Educação de São Paulo, sob Paulo Renato, no dia 28 de abril de 2010, transferisse mais dinheiro dos cofres públicos para o Grupo Prisa, referente a assinaturas do El País. O fato já seria curioso por si só, tratando-se de um jornal disponível gratuitamente na internet. Fica mais curioso ainda quando constatamos que o responsável pela compra, Paulo Renato, era Conselheiro Consultivo da própria Fundação Santillana! E as coincidências não param aí. Além de lobista da Santillana, Paulo Renato trabalhou, através de seu escritório PRS Consultores – cujo site misteriosamente desapareceu da internet depois de revelações dos blogs NaMaria News e Cloaca News –, prestando serviços ao… Grupo Santillana!, inclusive com curiosíssima vizinhança, no mesmo prédio. De fato, gentileza gera gentileza. E coincidência gera coincidência: ao mesmo tempo em que El País “denunciava”, junto com grupos de mídia brasileiros, supostos “erros” ou “doutrinações” nos livros didáticos da sua concorrente Geração Editorial, uma das poucas ainda em mãos do capital nacional, Paulo Renato repetia as “denúncias” no Congresso. O fato de a Santillana controlar a Editora Moderna e Paulo Renato ser consultor pago pelo Grupo Santillana deve ter sido, evidentemente, uma mera coincidência.
 
Mas que não se acuse Paulo Renato de parcialidade em favor dos grupos de mídia, brasileiros e estrangeiros. O ex-Ministro também teve destacada atuação na defesa dos interesses de cursinhos pré-vestibular, conglomerados editoriais e empresas de software. Como noticiado na época pelo Cloaca News, no mesmo dia em que a FDE e a Secretaria de Educação de São Paulo dispensaram de licitação uma compra de mais R$10 milhões da InfoEducacional, mais uma inexigibilidade licitatória era anunciada, para comprar… o mesmíssimo produto!, no caso o software “Tell me more pro”, do Colégio Bandeirantes, cujas doações em dinheiro irrigaram, em 2006, a campanha para Deputado Federal do candidato … Paulo Renato! Tudo isso para não falar, claro, do parque temático de $100 milhões de reais da Microsoft em São Paulo, feito sob os auspícios de Paulo Renato, ou a compra sem licitação, pelo Ministério da Educação de Paulo Renato, em 2001, de 233.000 cópias do sistema operacional Windows. Um dos advogados da Microsoft no Brasil era Marco Antonio Costa Souza, irmão de… Paulo Renato! A tramóia foi tão cabeluda que até a Abril noticiou.
Pelo menos uma vez, portanto, a Revista Fórum terá que concordar com Eliane Cantanhêde. Foi um “legado e tanto”. Que o digam os grupos Folha, Abril, Santillana, Globo, Estado e Microsoft.
 

domingo, 26 de junho de 2011

'O assunto é muito sério', rebate advogada do Idec ao ministro Paulo Bernardo



Dois dias após o envio de uma carta oficial ao ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, na qual contesta o modelo atual do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), por meio de sua advogada, Veridiana Alimonti, novamente se pronunciou alegando que aguarda uma resposta.

Nesta terça-feira, 21, o Idec, juntamente com diversas outras instituições, como a Intervozes e a Central Única dos Trabalhadores, promoveu um "tuitaço" (mobilização para que vários internautas tuitem sobre um mesmo assunto), sob o mote "Para tudo, minha Internet caiu... nas mãos da teles", que foi um dos temas mais comentados (trending topics) do dia, com mais de 3 mil postagens e 1474 tuites em uma hora e meia.

No mesmo dia, em entrevista ao site Convergência Digital, o ministro, contumaz tuiteiro, disse que não perderia tempo com isso e que deixaria os outros se divertirem no Twitter.

A este noticiário, a advogada do Idec respondeu: “O que estamos fazendo é sério, pois o assunto é muito sério e exige uma resposta séria do ministro”, advertiu.

Segundo ela, está faltando transparência no processo de discussão do PNBL e as instituições representantes da sociedade civil exigem um canal de diálogo com o Ministério das Comunicações afim de explanar a respeito dos pontos de divergência ao modelo proposto.

Divergências

O Idec defende a prestação do serviço de banda larga em regime público para que, desta forma, o Governo tenha instrumentos regulatórios capazes de impor obrigações e metas às operadoras.

A carta do Idec ao ministro Paulo Bernardo (disponível na home-page da Teletime) caracteriza como ilegais e abusivas, nos termos do Código de Defesa do Consumidor (CDC), as práticas da Oi e Telefônica, que “só aceitam oferecer 1 Mbps por R$ 35,00 nas cidades com índice de desenvolvimento humano (IDH) acima da média nacional se houver venda casada com outro serviço”.

Além disso, o instituto alerta que as concessionárias têm as metas de ativação de orelhões reduzida, as metas de linhas telefônicas individuais, em zona rural, remetidas à regulamentação posterior e as metas de Internet mantidas nos parâmetros de 2008.

De acordo com a advogada do Idec, Veridiana Alimonti, se a conclusão do Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU III) em alguma medida encerra o período de negociação do Governo com as concessionárias quanto aos planos que oferecerão no âmbito do PNBL, a perspectiva não é das melhores e as notícias sobre o tema trazem à tona este problema. “Por esta razão, o Instituto defende que o conteúdo das propostas seja trazido a público na sua integralidade, propiciando uma apreciação social ampla. Ainda, é necessário que neste processo sejam garantidos espaços de efetiva participação da sociedade civil”, diz.

Em torno da causa gay

Toda a campanha em favor da causa gay, e que orienta a aprovação do projeto de lei 122, em tramitação no Senado, parte de uma mesma premissa: haveria, no Brasil, um surto de homofobia – isto é, hostilidade e ameaça física aos gays.

A premissa não se sustenta estatisticamente. Os números, comparativamente aos casos gerais de homicídios anuais no país – cerca de 50 mil! -, são irrelevantes.

Segundo o Grupo Gay da Bahia, de 1980 a 2009, foram documentados 3.196 homicídios de homossexuais no Brasil, média de 110 por ano.

Mais: não se sabe se essas pessoas foram mortas por essa razão específica ou se o crime se deu entre elas próprias, por razões passionais, ou pelas razões gerais que vitimam os outros 49 mil e tantos infelizes, vítimas do surto de insegurança que abala há décadas o país.

Se a lógica for a dos números, então o que há é o contrário: um surto de heterofobia, já que a quase totalidade dos assassinatos se dá contra pessoas de conduta hetero.

O que se constata é que há duas coisas distintas em pauta, que se confundem propositalmente e geram toda a confusão que envolve o tema.

Uma coisa é o movimento gay, que busca criar espaço político, com suas ONGs e verbas públicas, ocupando áreas de influência, com o objetivo de obter estatuto próprio, como se opção de conduta sexual representasse uma categoria social.

Outra é o homossexualismo propriamente dito, que não acrescenta nem retira direitos de cidadania de ninguém.

Se alguém é agredido ou ameaçado, já há legislação específica para tratar do assunto, independentemente dos motivos alegados pelo agressor. Não seria, pois, necessário criar legislação própria.

Comparar essa questão com o racismo, como tem sido feito, é absolutamente impróprio. Não se escolhe a raça que se tem e ver-se privado de algum direito por essa razão, ou previamente classificado numa categoria humana inferior, é uma barbárie.

Não é o que se dá com o homossexualismo. As condutas sexuais podem, sim, ser objeto de avaliação de ordem moral e existencial, tarefa inerente, por exemplo (mas não apenas), às religiões.

Elas – e segue-as quem quer – avaliam, desde que existem, não apenas condutas sexuais (aí incluída inclusive a dos heterossexuais), mas diversas outras, que envolvem questões como usura, intemperança, promiscuidade, infidelidade, honestidade etc.

E não é um direito apenas delas continuar sua pregação em torno do comportamento moral humano, mas de todos os que, mesmo agnósticos, se ocupam do tema, que é também filosófico, político e existencial.

Assim como o indivíduo, dentro de seu livre arbítrio, tem a liberdade de opções de conduta íntima, há também o direito de que essa prática seja avaliada à luz de outros valores, sem que importe em crime ou discriminação. A filosofia faz isso há milênios.

Crime seria incitar a violência contra aqueles que são objeto dessa crítica. E isso inexiste como fenômeno social no Brasil. Ninguém discute o direito legal de o homossexual exercer sua opção. E a lei lhe garante esse direito, que é exercido amplamente.

O que não é possível é querer dar-lhe dimensão que não tem: de portador de direitos diferenciados, delírio que chega ao extremo de se cogitar da criação de cotas nas empresas, universidades e partidos políticos a quem fez tal opção de vida.

Mesmo a nomenclatura que se pretende estabelecer é falsa. A união de dois homossexuais não cria uma família, entendida esta como uma unidade social estabelecida para gerar descendência e permitir a continuidade da vida humana no planeta.

Casamento é instituição concebida para organizar socialmente, mediante estatuto próprio, com compromissos recíprocos, a geração e criação de filhos.

Como aplicá-lo a outro tipo de união que não possibilita o que está na essência do matrimônio? Que se busque então outro nome, não apenas para evitar confusões conceituais, mas até para que se permita estabelecer uma legislação que garanta direitos e estabeleça deveres específicos às partes.

Há dias, num artigo na Folha de S. Paulo, um líder de uma das muitas ONGs gays do país chegou a afirmar que a heterossexualidade não resultaria da natureza, mas de mero (e, pelo que entendi, nefasto) condicionamento cultural, que começaria já com a criança no ventre materno.

Esqueceu-se de observar que, para que haja uma criança no ventre materno, foi necessária uma relação heterossexual, sem a qual nem ele mesmo, que escrevia o artigo, existiria.

Portanto, a defesa de um direito que não está sendo contestado – a opção pelo homossexualismo – chegou ao paroxismo de questionar a normalidade (e o próprio mérito moral) da relação heterossexual, origem única e insubstituível da vida. Não há dúvida de que está em cena um capítulo psicótico da história.

Ruy Fabiano é jornalista

sábado, 25 de junho de 2011

Uma fascinante viagem pelo universo da neurociência


(*) Texto de divulgação - Editora Companhia das Letras







Comandar máquinas, robôs e próteses só pela força do pensamento, a ponto de tornar factível um projeto como o que ele hoje persegue, o de fazer paraplégicos voltarem a andar, é apenas uma das possibilidades próximas de um fascinante mundo novo apresentado pelo respeitado neurocientista Miguel Nicolelis em Muito além do nosso eu.

Outras, a exigir percurso técnico-científico um tanto mais longo e íngreme, são as conexões entre cérebros humanos, sem viés místico ou pensamento mágico, e o poder de experimentarmos no próprio corpo finas sensações tácteis – como a percepção do contato da sola do pé no solo de Marte –, com base em informações enviadas por robôs-exploradores desde planetas do sistema solar ou de regiões remotas do universo. 

E há por fim as fortes chances de vencermos, com as ferramentas desse novo mundo que Nicolelis vai desdobrando em cores intensas e fascinantes, dolorosas condições neurológicas e psíquicas, como as produzidas pelo Mal de Alzheimer, Parkinson, esquizofrenia, depressão profunda e outras doenças muito disseminadas nas sociedades contemporâneas. 

O livro poderia, assim, ser tomado como uma espécie de mapa do tesouro que dá acesso às maravilhas desse mundo que neurocientistas de ponta, e Nicolelis com lugar de destaque entre eles, vêm construindo nas últimas décadas, com o suporte de múltiplos campos do conhecimento e da tecnologia. 

Essa refinada obra de divulgação científica vai, entretanto, muito além disso. Em primeiro lugar, pela narrativa que o autor conduz com invejável mestria, entremeando delicadas memórias pessoais com didáticas explanações de seu campo de domínio científico. Ou fazendo suceder, ao relato sensível das experiências já realizadas por ele com macacos capazes de mover com o pensamento braços robóticos ou comandar, a partir de seu laboratório na Universidade Duke, a caminhada de um robô numa esteira no Japão, especulações futuristas capazes de deixar de cabelos arrepiados seus colegas mais céticos. 

Um pequeno exemplo de suas antevisões: “Nesse futuro, sentado na varanda da sua casa de praia, de frente para o seu oceano favorito, você poderá um dia conversar com uma multidão de pessoas, fisicamente localizadas em qualquer parte do planeta, através de uma nova versão da Internet (a “brainet”), sem a necessidade de digitar ou pronunciar uma única palavra. Nenhuma contração muscular envolvida. Somente através do seu pensamento”.  

Nicolelis é, sem dúvida, dono de uma escrita poderosa fora do jargão dos papers, capaz de transitar à vontade e de maneira envolvente entre planos e contraplanos, digamos, passando do interior do laboratório para a sociedade que receberá o que ali se gesta, das histórias da infância para a antevisão de um homem futuro que move robôs e avatares como suas reais extensões e molda, com isso, uma nova sociedade humana. 

Mas em paralelo à força da narrativa, Muito além do nosso eu é uma excepcional obra de divulgação científica pelo valor inestimável do conteúdo que torna acessível ao leitor, relativo a uma das áreas mais fascinantes e promissoras da pesquisa científica, seja em termos dos impactos que promete para a própria construção do conhecimento, seja em termos sociais. 

O livro situa muito bem os notáveis avanços e as divergências existentes hoje no interior da neurociência no contexto histórico de mais de um século. Trata-se de uma abalizada e sofisticada revisão da neurofisiologia, que torna clara a oposição entre localizacionistas e distribucionistas ou relativistas, entre os que tomam o neurônio como unidade de funcionamento do cérebro e os que preferem atribuir esse papel às redes neuronais.

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"Muito além do nosso eu"
Miguel Nicolelis
Editora Companhia das Letras
552 páginas
Lançamento - junho/2011

Las claves de la cuestión criminal


El juez de la Corte Suprema Eugenio Raúl Zaffaroni, el penalista más reconocido del país, abordará en 25 fascículos semanales una visión alternativa sobre la seguridad en una sociedad democrática. Aquí explica los ejes de la obra: el poder punitivo y el “Estado gendarme”, la “mano dura”, los discursos sobre la “inseguridad” y el papel de los medios.


Por Silvina Friera
Imagen: Bernardino Avila.

“El Maradona de la Justicia” –bautizado así por Víctor Hugo Morales– sonríe y saluda con la tenaz elegancia de un nadador que cuenta en su haber con la hazaña de haber cruzado la laguna de Chascomús. En el despacho de Eugenio Raúl Zaffaroni, una obra del grupo Escombros cifra el gesto heterodoxo que trasunta su prédica contra el “Estado gendarme” que encierra, castiga y reprime. La capucha que cubre la cara del verdugo de la escultura de hierro desmorona las risas, como si de repente esa imagen, más la inscripción que la acompaña, revelaran con la fuerza de una ráfaga una vieja herida de la humanidad que no deja de sangrar. “El poder siempre es el verdugo. La sociedad siempre es la víctima. Lo trágico de esta relación es que a veces la víctima no lo sabe”, se lee. Una inflexión de serenidad acompaña cada una de las palabras que elige el ministro de la Corte Suprema de Justicia para subrayar la importancia que tiene la contención del poder punitivo a la hora de preservar la vida humana y prevenir la proliferación de masacres. “Los jueces somos la Cruz Roja de la política”, advierte Zaffaroni sobre uno de los temas que abordará en La cuestión criminal, veinticinco fascículos de entrega semanal ilustrados por Miguel Rep que Página/12 comenzará a entregar el próximo jueves, el mismo día en que el diario cumple 24 años.

Los fascículos están concebidos para facilitar la comunicación en un lenguaje coloquial y poder discutir el meollo de un asunto espinoso como la cuestión criminal, aceitado por ciertos sobreentendidos que se reproducen como si patinaran sobre un suelo recién encerado. “Uno puede encontrarse con alguien en la calle y discutir el homicidio del día. ¿Qué hacemos? Yo lo reventaría, dice uno. No, responde el otro, hay que hacerle un juicio y ponerle la pena que le corresponda por la gravedad”, ejemplifica Zaffaroni con uno de esos diálogos casi calcados de lo que se expande por la atmósfera social. “El que dice que reventaría al homicida está planteando la postura del Estado absoluto, que funcionó y defendió las torturas con este tipo de argumento. Muchas cosas que se dicen son supervivencias de aspectos que se han teorizado en distintos momentos y que han tenido un sentido político. De cada idea que se tiene del fenómeno criminal sale una política. Inconscientemente, la gente repite cosas que a lo largo de los siglos se han teorizado y legitimado.”

Hay un imaginario popular en torno de la cuestión criminal construido a través de los medios masivos. “La criminología mediática existió siempre y a veces coincidió con la teórica académica, no en los mejores momentos, sino en los peores –revela Zaffaroni en la entrevista de Página/12–. En cada época usó el medio de comunicación social que tenía a mano. Ahora la televisión construye un mundo amenazado por el delito común y el terrorismo; infla el miedo y la paranoia por la seguridad.” En cada fascículo desovillará la madeja de esta criminología mediática que responde a una clara intencionalidad política. “Al final, uno se da cuenta de que tenemos una historia que nos cuentan en la universidad y otra historia que nos transmiten desde los medios, pero ¿qué criterio de realidad tengo respecto de la cuestión criminal? O está todo construido y no hay realidad, como diría Baudrillard, se desfondó la realidad.

–¿Qué hacer si fuera cierto que se desfondó la realidad?

–No, paremos la mano. Si le pregunto a mi abuelita que se llamaba Rosa y era mucho más inteligente que el personaje de Bernardo Neustadt, va a decir: la única realidad son los muertos. Contemos cadáveres, lo que pasó. Tenemos que contrastar estos discursos con la realidad y no creer que lo que nos está sucediendo es un invento. Nos guste o no nos guste vivimos en un mundo globalizado por la comunicación, de modo que muchas cuestiones de la construcción mediática no son producto nuestro. Más aún, la mayor parte de lo que voy a citar es criminología académica de los países centrales; nosotros tenemos poco desarrollo teórico a partir de nuestra realidad periférica en el mundo.

–¿Cómo explicaría el poder que tiene el “malo de la película” que construye la criminología mediática?

–(John) Dillinger existió; fue un asaltante de bancos de Estados Unidos. Después se hicieron películas sobre él; a veces la película, por razones políticas, reconstruye al personaje en forma tal que todo el mal se concentra no ya en un grupo, como suele suceder cuando se busca un chivo expiatorio, sino sobre una persona. Se concentra todo el mal en alguien que representa el mal absoluto; diría que acá fue (Alfredo) Yabrán en la época de (Domingo) Cavallo. Yabrán era el mal absoluto; un día se mató y el fenómeno es que, como el mal absoluto no puede desaparecer porque tiene algo de maniqueo la cosa, hubo resistencia a creer que el Dios malo había muerto.

–¿Qué función cumple o cumplía un “malo” como Bin Laden?

–Resulta bastante claro que hay un objetivo electoral interno de los Estados Unidos. Obama está sitiado por el Tea Party y tiene que dar la imagen de duro; una imagen que no está dirigida al mundo sino al electorado de Estados Unidos ante la proximidad de una elección. Es lo que muchas veces hace el centroizquierda cuando quiere redoblar la apuesta del centroderecha o de la derecha extrema y pide mano dura. El centroizquierda carga con fama de desordenado, de inseguro y de romper las estructuras que garantizan la seguridad y la estabilidad; entonces quieren ser más estabilizadores y seguros. Las peores leyes penales de Gran Bretaña las sancionaron gobiernos laboristas. Entre nosotros, la reforma Blumberg la hizo un Parlamento electo democráticamente; en tanto que el Congreso conservador de la época del fraude patriótico nunca sancionó las leyes que el propio Ejecutivo había mandado en el caso Ayerza, muy parecido al de Blumberg, un secuestro seguido de muerte en los años ’30. Cuando el que está en el poder no está visualizado como el dueño del circo sino como el payaso, tiene que reafirmar que es el dueño del circo y se hacen cosas que son sumamente peligrosas, porque se puede generar una antipolítica.

–¿En qué sentido?

–Se corre el riesgo de desdibujar ideológicamente a los partidos y que todos se parezcan demasiado. Como vivimos un Estado espectáculo y la política es espectáculo, la gente se cansa. No se puede tener Tinelli cien años. Lo mismo pasa con la política, y ahí es cuando aprovecha la antipolítica y puede avanzar algún aventurero antisistema.

–Aunque el discurso de la “mano dura” tenga profundas consecuencias políticas, ¿pertenecería al campo de la antipolítica?

–El discurso de la “mano dura” sale de un demagogo municipal, alcalde de Nueva York (Rudolph Giuliani), un pensador del think tank de extrema derecha de los Estados Unidos; yo creo que es más tank que think. El argumento es estúpido; empieza con el asunto de las ventanas rotas. Tenemos que penar a los que rompen ventanas porque todos los delincuentes comienzan rompiendo ventanas y, si no los controlamos, terminan como Dillinger. Es posible que Dillinger haya empezado rompiendo ventanas, pero no creo que todos los que rompan ventanas se conviertan en Dillinger. Sí, es verdad, consiguió bajar el delito en Nueva York, pero coincidió con una baja general del delito en todo Estados Unidos en un momento de euforia económica y pleno empleo. La “tolerancia cero” no pasa de ser un eslogan.

–Pero no se siembra en tierra yerma; hay abono para que prendan este tipo de frases, ¿Por qué cala tan hondo un eslogan como el de la “mano dura”?

–Las teorías que legitiman las penas son inventos de los penalistas. Como tenemos que hacer un sistema para proponerles a los jueces las sentencias, partimos de decir que la pena debe tener tal o cual función. A partir de ese “deber ser” construimos un sistema sobre la base de una pena retributiva, una teoría preventiva general o una teoría preventiva especial y nos peleamos entre nosotros por la solución de los distintos casos. Todo eso se mueve en el topos uranus del deber ser; lo que pasa en la realidad no se mete en la Facultad de Derecho. Si uno tiene que averiguar la realidad, le recomiendo que vaya a la Facultad de Veterinaria (risas). La función del poder punitivo es la de canalizar impulsos vindicativos. Si la teoría del derecho penal tiene que ser racional, no puedo meter la venganza porque es irracional. Por qué la venganza es la otra pregunta. La venganza está metida en la esencia misma de nuestra civilización.

–El ojo por ojo, diente por diente...

–O los dos ojos por un ojo... Nuestra civilización tiene una idea lineal del tiempo; el loco Nietzsche tenía razón: la venganza es venganza contra el tiempo. Es venganza porque no puede hacer que lo que fue no haya sido; es una bronca así como la que me da cuando me tomo el subterráneo, me quedo dormido y me paso de estación. Puedo cruzarme y volver, pero si el subte no parara nunca... No soy un abolicionista del sistema penal porque me doy cuenta de que es un hecho político, un factum de poder que no lo podemos abolir, salvo un cambio civilizatorio que no lo vamos a hacer desde el derecho penal ni desde la criminología.

–¿Por qué propone llegar a una criminología cautelar?

–Hay que mantener la venganza encarrilada, que no se salga de madre, porque si se sale de curso, esa pulsión vindicativa crece y se va al genocidio. El poder punitivo será irracional, pero tenemos que ser racionales en la contención; es algo así como la Cruz Roja con la guerra. Yo no le puedo imputar a la Cruz Roja que no suprima la guerra porque no tiene poder para hacerlo, pero sí le puedo exigir que agote su poder de contención de las formas más crueles y sangrientas de la guerra: que no maten a los prisioneros y que no bombardeen los hospitales. No-sotros no podemos hacer desaparecer el poder punitivo, lo que tenemos que hacer es como la Cruz Roja. Los jueces somos la Cruz Roja de la política.

–¿De qué modo se puede contener al poder punitivo?

–Lo único que podemos hacer es tener un semáforo. Si tiene luz roja, el poder punitivo no pasa; si tiene luz verde te pasa y con la amarilla espera un rato. Creo que hay que reforzar el derecho penal como poder jurídico de contención. Si desapareciera el derecho penal, si desapareciéramos los jueces, los fiscales y los abogados, el poder punitivo no desaparecería, sino que se ejercería sin límites por parte de las agencias ejecutivas. Lo cual me revela que la principal función que tiene el derecho penal es contener al poder punitivo: “De acá no pasás, hasta acá venís pero no pasás”. Hay que reforzar el derecho penal de garantías, el derecho penal de límites y el derecho penal de contención con la convicción de que refuerza el estado de derecho y de esa forma estamos previniendo masacres que se pueden dar de golpe o masacres que pueden advenir por goteo.

–Los casos de gatillo fácil de veinte años a esta parte, ¿serían un tipo de “masacre por goteo”?

–De veinte años hasta acá no; pero en el ’84, ’85 y ’86 sí. Llegó a haber más de mil muertos en esos años; en su momento lo denunciamos y lo investigamos. De entonces hasta hoy hay hechos, pero no puedo decir que sea algo sistemático. La criminología mediática de Canal 9, José de Zer y Bernardo Neustadt lo mostraba como el resultado de una guerra contra el delito, como si fuera una guerra bélica, construyendo la realidad opuesta. Se había terminado la guerra contra la “subversión”, había que seguir con la guerra contra el delito. En la investigación surgió clara la ley de la buena puntería: disminuía el número de heridos, pero aumentaba el número de muertos en los supuestos enfrentamientos. Los policías muertos no morían en enfrentamientos; al vivir en los mismos barrios eran asesinados por efecto de la violencia que desataban las mismas ejecuciones.

–¿La mirada desde la periferia del sistema jurídico central es más productiva?

–Yo creería que sí; la periferia nos plantea una serie de problemas que en el centro ni los tienen en cuenta.

–¿Por ejemplo?

–Tortura y maltrato en detención, no sistemático, pero se produjo el hecho aislado. ¿Se lo tengo que descontar de la pena? No hay un solo penalista central que se lo haya planteado porque para ellos son situaciones raras. Yo lo vengo planteando hace años y más o menos va circulando por América latina. Cuidado: no lo torturó o le sacó el ojo mi tía; fue el Estado. Y con motivo de un delito por el cual lo estoy condenando. Es una cuestión que en Europa nunca se les pasó por la cabeza.

–Pero los europeos tal vez no piensan esta cuestión porque dan por descontado que se “puede” torturar a un preso...

–No, es una anomalía, no es la regla, no lo ven como una parte del ejercicio del poder punitivo; pese a que nosotros tenemos sistemas penales más primitivos, más violentos, lo cierto es que en cuanto al genocidio no hemos llegado nunca a los límites de los europeos. No es una cuestión contable, ¿no?; pero han tenido crímenes de lesa humanidad bastante groseros. Algunos me dijeron en Roma que son los riesgos que se corren. Bueno, guarda: nosotros tuvimos 30 mil desaparecidos y Salvador 80 mil muertos; pero no se olviden que los europeos echaron siete u ocho millones de personas fuera de la guerra, no muertos por la violencia bélica. Y que el genocidio armenio lo cometió una potencia que hoy está a las puertas de la Unión Europea.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

O que é isso, companheira?

 
Messias Pontes *
Pescado do ótimo blog Terror do Nordeste

A carta da presidenta Dilma Rousseff ao Coisa Ruim (FHC) pelos seus 80 anos, com surpreendentes elogios, pareceu a muitos como um gesto de cortesia. Contudo, soou muito mal as deferências elogiosas ao ex-presidente no tocante à sua política econômica, afirmando entre outras coisas que ele é o responsável pela estabilidade econômica, pois com isso ela corrobora com a tragédia que foi o desgoverno tucano-pefelista com o desmonte do Estado, a criminalização dos movimentos sociais, a exclusão social e a traição nacional.

Para alguns analistas, a Presidenta inflou o ego do Coisa Ruim e o enrolou na própria vaidade, dando-lhe status de líder da oposição e com isso promovendo confusão no ninho tucano e causando desconfiança do senador Aécio Neves e do ex-governador José Serra – o “Zé” Bolinha de Papel. Se a intenção foi esta, ela deu um tiro no pé, pois acabou dando oxigênio a quem estava morrendo asfixiado.

Como negar a herança maldita deixada pelos neoliberais tão criticada nas campanhas eleitorais de 2002, 2006 e 2010? Como esquecer a irracionalidade de quem queria ver o então presidente Lula “sangrar” até a última gota para tomar de assalto o poder central? Como esquecer os maiores escândalos de toda a história republicana brasileira com o vergonhoso esquema de compra de votos para garantir a vitória da PEC da reeleição?

Como não condenar o criminoso processo de desnacionalização de nossa economia e a entrega do patrimônio nacional, notadamente da Vale do Rio Doce e das Teles? E a tentativa de entregar a Petrobras, chegando a mudar o nome da empresa orgulho nacional para Petrobrax? E o que dizer da dívida externa deixada por ele e que era considerada impagável?

O desgoverno do Coisa Ruim quebrou o País três vezes, propiciou a maior concentração de renda – mais que os militares com o chamado “milagre econômico” com a cretinice de “deixar o bolo crescer para dividir depois” -, com o desemprego sem controle, o risco Brasil na casa dos quatro mil pontos, o País sem crédito no exterior, e, pior, sendo governado de fato pelo FMI, e matando a esperança de toda uma geração, destruindo a auto-estima do nosso povo.

Além de traidor da Pátria, o Coisa Ruim é um tremendo ingrato, dado que tinha firmado acordo com o então presidente Itamar Franco para apoiá-lo para retornar à Presidência da República em 1998. No entanto deu um golpe branco, promoveu um gigantesco esquema de corrupção para garantir a sua reeleição e cooptou lideranças peemedebistas para impedir que Itamar fosse ungido candidato peemedebista a presidente. Até professores e lutadores de jiu jitsu de Brasília e Goiânia foram contratados para amedrontar e agredir os delegados do PMDB durante a convenção nacional do partido.

Esse elemento que tanto mal causou à Nação tem mais é que ser desmascarado e apresentado como um verdadeiro traidor da Pátria a serviço do imperialismo, em especial do norte-americano. Não é exagero e muito menos sectarismo afirmar que o Coisa Ruim prestou e continua prestando relevantes serviços à CIA (Central de Inteligência Americana). Ou a presidenta Dilma não sabe que ele recebeu milhões de dólares da CIA, através da Fundação Ford, para envolver a intelectualidade brasileira e latino-americana com interesses imperialistas apenas dois meses depois da edição do malfadado AI-5? Era dinheiro a fundo perdido e sem necessidade de prestar contas. O que foi o Cebrap senão um instrumento a serviço do imperialismo? Sabe a Presidenta que o Coisa Ruim teve todas as suas despesas no seu auto-exílio no Chile pagas por empresas com interesses aqui, como a Mercedes Benz?

A criminalização dos movimentos sociais, em especial do Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a tentativa de acabar com o Sindicato dos Petroleiros - como fez a ex-primeira ministra britânica Margaret Thatcher com o Sindicato dos Mineiros de Carvão -, inclusive com a utilização de tropas do Exército para invadir o Sindicato e reprimir os petroleiros, prova cabalmente o espírito antidemocrático do ex-presidente. Isto merece o repúdio de todas as pessoas de bem.

O atrelamento automático e a subserviência ao império do Norte era tamanha que ele nada fazia sem antes consultar o presidente norte-americano Bill Clinton. Com George W. Bush não foi diferente, apoiando a humilhação sofrida pelo seu ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer, que foi obrigado a tirar os sapatos em cinco aeroportos nos Estados Unidos depois dos atentados às Torres Gêmeas, em Nova Iorque.

Quando assumiu a Presidência da República em 1º de janeiro de 2003, o presidente Lula enfatizou que “Ministro meu não tira sapatos em aeroporto nenhum do mundo”. Quem definiu magnificamente bem a postura independente e corajosa de Lula foi o cantor e compositor Chico Buarque de Holanda durante a campanha eleitoral do ano passado: “Hoje, com o presidente Lula, o Brasil não mais fala fino com os Estados Unidos e nemfala grosso com o Paraguai e a Bolívia”.

Ao elogiar a política econômica tucano-pefelista, a presidenta Dilma negou as reiteradas afirmações do ex-presidente Lula de que recebeu uma herança maldita, e deu margem para o Cosa Ruim criticá-lo, afirmando que Lula tem problemas psicológicos com ele. Além de retirá-lo do ostracismo a que estava submetido. Afinal, todos os institutos de pesquisa de opinião constataram que o Coisa Ruim deixou o governo com o mais alto índice de rejeição. Comparado com os anteriores, ele foi considerado o pior de todos. Nada justifica os elogios de Dilma Rousseff a ele.

O que é isso, companheira?

* Diretor de comunicação da Associação de Amizade Brasil-Cuba do Ceará, e membro do Conselho de Ética do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado do Ceará e do Comitê Estadual do PCdoB.

O advogado que garantiu a liberdade de Battisti

Luís Roberto Barroso


Do Site Consultor Jurídico


Por Rodrigo Haidar



Dia 8 de junho de 2011. Às 22h, na parte de trás do prédio que abriga o plenário do Supremo Tribunal Federal, o advogado Luís Roberto Barroso sacode vagarosamente uma cópia do alvará de soltura de Cesare Battisti que lhe chegou às mãos, com um sorriso que não lhe cabia no rosto, e pergunta, para si mesmo, e para os advogados de sua equipe que o cercam: "E agora? Como se tira uma pessoa da cadeia?". Certamente, um problema bem menos angustiante do que a equipe enfrentou nos últimos meses.
A vida do advogado às vezes parece uma montanha russa. O trabalho de equipe é fundamental, mas as principais decisões são solitárias. Todo profissional é familiarizado com frustrações e os mais experientes sabem o quanto é importante dosar a emoção na hora da vitória. O caso que Barroso acaba de enfrentar, contudo, permite a exceção.
Seis horas antes, Barroso ocupara a tribuna do Supremo em defesa da liberdade do italiano, ex-integrante de grupos de extrema esquerda nos anos 1970 na Itália, preso há quatro anos no Brasil por conta de pedido de extradição feito pelo governo daquele país. Pela primeira vez, tinha subido nervoso à tribuna que ocupa com frequência.
"Raramente me exalto e dificilmente fico nervoso. Este foi um dos poucos dias da minha vida que me senti como um corredor de Fórmula 1, que chega à última volta com chances de ganhar, mas morrendo de medo de bater. Era essa a sensação", afirmou o advogado à revista Consultor Jurídico. Barroso ganhou a corrida, sem cobrar um centavo pelo trabalho. Foi a estrela do processo. Sem seu empenho, provavelmente Battisti estaria, a esta altura, num avião com destino à Itália.
A defesa do caso Battisti foi um ponto fora da curva na carreira de Luís Roberto Barroso. O advogado nunca havia trabalhado em um processo que envolve questões criminais e não deve voltar a fazê-lo. "Embora tenha sido uma experiência pessoal, humana e profissional extraordinária, eu acho que este caso basta", afirmou. Daí sua dúvida sobre o procedimento diante do alvará de soltura.
Habituado a lidar com teses judiciais abstratas, em que não é necessário olhar nos olhos dos milhares de pessoas que são afetadas pelas decisões, o advogado teve de mudar sua rotina e se preparar para a batalha em um terreno ainda desconhecido por ele. Não era o primeiro caso polêmico que assumia no Supremo, mas era uma novidade sob todos os ângulos.
O advogado atuou no processo que se transformou na Súmula Vinculante que vedou o nepotismo nos três poderes da República, participou como amicus curiae da ação que legitimou as pesquisas com células-tronco embrionárias e liderou a ação na qual o tribunal equiparou a união homoafetiva à união estável entre casais convencionais. Saiu vitorioso em todos os casos. Está à frente, também, da ação que pede que as gestantes possam interromper a gravidez em casos de fetos anencéfalos.
Nada foi tão avassalador em termos pessoais quanto a defesa de Battisti: "A intensidade das paixões que ele mobilizou eu não sou capaz de identificar a origem. Nem a discussão da anencefalia ou do nepotismo, em que muita gente foi afetada, causou tamanha reação. Esse foi o único caso em que eu recebi muitos insultos, e-mails e mensagens de pessoas dizendo coisas horrorosas".
O que não quer dizer que se arrependa. "Não tive qualquer dúvida. Tive alguns sofrimentos pessoais, porque, muitas vezes, as pessoas se convencem tanto de suas próprias razões que acham que não precisam se comportar bem. Mas faria tudo novamente", garante.
Luís Roberto Barroso nunca havia colocado os pés em um presídio, mas passou a ir ao Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília, com regularidade. "Nas primeiras vezes, não sabia nem como me comportar. Visitava o Cesare pelo menos uma vez por mês. Às vezes, duas." Para um advogado que vivia em um mundo mais de ideias do que de gente, foi um show de vida real.
Em 13 de abril de 2009, pouco mais de dois anos antes de conseguir a liberdade do italiano, o advogado assumiu sua defesa ao lado do colega Luiz Eduardo Greenhalgh. Na nota em que anunciou a entrada no processo de extradição que tramitou no Supremo, Barroso afirmou que "viola as tradições jurídicas e humanitárias brasileiras o encarceramento perpétuo de uma pessoa não perigosa e de longa data ressocializada, tendo se passado mais de 30 anos dos episódios que deram causa à condenação criminal".
Começava aí seu trabalho, que terminou na madrugada de quinta-feira (9/6) quando entregou a Cesare Battisti, na Papuda, seu alvará de soltura. Agora, o caso de Battisti está de volta às mãos de Greenhalgh.
Causa bonita
Barroso assumiu a defesa de Cesare Battisti a pedido da escritora francesa Fred Vargas. No começo de 2009, o advogado recebeu uma ligação da escritora que lhe contou o caso e pediu sua intervenção. O pedido foi feito pouco depois de o então ministro da Justiça, Tarso Genro, ter concedido refúgio ao italiano, em janeiro daquele ano. Na ocasião, se vislumbrava um longo caminho a ser percorrido. O ministro Cezar Peluso, relator da ação, já havia sinalizado não ser simpático à causa de Battisti.
A primeira condição de Barroso foi que sua entrada no processo tivesse a concordância de Greenhalgh, o colega que, até ali, cuidava sozinho da ação. Tratava-se de uma questão ética. "Um advogado não entra na causa de outro, salvo por pedido ou convite do próprio advogado. Ou quando ele é destituído, o que não era o caso."
Depois da ligação de Greenhalgh o convidando para atuar, recebeu o substabelecimento e foi estudar os 18 volumes da ação, que continha todos os detalhes dos processos em que Battisti foi condenado por quatro homicídios entre os anos de 1977 e 1979.
Sua equipe fez a leitura de todas as peças e uma seleção do que achava relevante que o próprio Barroso estudasse. "Quando acabei de ler o processo, já não tinha nenhuma dúvida de que lado eu queria estar nessa briga. Teria de defender o Cesare", disse. Barroso se convenceu que as ações contra Battisti não seguiram o devido processo legal e que seu direito à ampla defesa fora desrespeitado.
O primeiro obstáculo foi vencer a desconfiança dos próprios familiares. Ouviu do pai, da sogra, da mulher e dos amigos próximos a mesma pergunta: "Por que você aceitou esse caso?". Não foi diferente com seus clientes: "Barroso, um velho comunista?". As explicações iniciais foram uma preparação singela perto do que viria mais à frente.
"O senso comum é todo o contra o Cesare porque é pragmático. O senso comum questiona por que o Brasil tem de se indispor com a Itália para defender um sujeito não tem nada a ver com o país. Não quer saber se é um cidadão que teve direitos fundamentais desrespeitados. Como disse, é pragmático", opina Barroso.
Por que, então, embarcar nessa aventura? "A causa era bonita", justifica. O advogado viu beleza no fato de defender "um velho comunista, que faz parte do lado derrotado da história, e que a Itália, 30 anos depois, veio perseguir no Brasil". Acima de tudo, Barroso acreditou em Battisti. "O Cesare me olha nos olhos e diz: 'Não participei de nenhum desses homicídios'. Eu acredito no que ele me diz. Mas, independentemente da minha certeza subjetiva, a leitura do processo traz muitas dúvidas objetivas", explica.
Para abraçar a causa, Barroso somou a crença nas palavras do italiano às falhas dos processos que geraram sua condenação na Itália. De acordo com o advogado, não havia provas suficientes para embasar as condenações pelos homicídios.
"Não havia armas apreendidas, perícias, nada. Apenas testemunhos que se contradiziam. Cesare foi levado a julgamento junto com outros membros dos PAC (Proletários Armados pelo Comunismo) e não foi sequer acusado de cometer os assassinatos. Foi condenado por subversão. Depois, quando ele já estava na França, um dos líderes do grupo, Pietro Mutti, acusado pelos homicídios, colocou a culpa em Cesare e foi beneficiado pela delação premiada", conta Barroso.
E completa: "Julgado pela segunda vez à revelia, dez anos depois, com a defesa feita por um advogado que nunca falou com ele e que foi constituído pelos membros do grupo que estavam se livrando graças à delação, foi condenado”, afirma Barroso. O advogado cita as mesmas contradições nos processos italianos que o próprio Battisti apontou em entrevista exclusiva concedida à ConJurantes do julgamento pelo Supremo. Esses foram os fatos que o convenceram, aliados à palavra de seu mais famoso cliente.
Como todo bom advogado sabe, quando o juiz começa seu voto elogiando a sustentação oral, é porque votará contra os interesses do advogado. Ao falar da Itália, Barroso usa do mesmo expediente. Frisa que respeita o país e suas instituições, para, então, fazer as ressalvas. Como crer que na Itália, uma pujante democracia já naquela época, não foi respeitado o devido processo legal? "Provavelmente, a democracia italiana era mais truculenta do que a ditadura brasileira", justifica.
Estratégia de defesa
Convencido de que a causa era justa e valia à pena, Barroso passou a estudar sua estratégia, bolar as teses e se debruçar sobre a jurisprudência do STF que dizia respeito ao tema. Foram vários brainstorms e conference calls com suas equipes dos escritórios do Rio de Janeiro e de Brasília.
A primeira tese, que inicialmente aparentava ser a mais segura, estava à mão: quando o governo concede refúgio a um preso, o processo de extradição contra ele é arquivado pelo Supremo. Três anos antes de o advogado assumir a causa, a Corte tinha decidido exatamente isso no processo do colombiano Padre Medina, integrante das Farc, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia.
O advogado iniciou o périplo pelos gabinetes dos ministros do Supremo, como é praxe. Foi recebido pessoalmente por sete dos nove ministros que votaram no caso — nos gabinetes de Ellen Gracie e Gilmar Mendes foi atendido por assessores. "Muito bem atendido", ressaltou. Entregou memoriais e defendeu suas razões.
Nos encontros, percebeu, mesmo antes do julgamento, que a tese de que o refúgio faz arquivar o processo de extradição corria riscos. "Não faço prognósticos. Mas, evidentemente, faço uma contabilidade íntima. Como os ministros não dão pistas, você passar a fazer leitura corporal, facial, e com base no que conhece da Corte, faz suas apostas."
Barroso tinha para si que o placar, contrário ou favorável, seria apertado. Isso fez com que lançasse mão de outros argumentos técnicos que, na sua avaliação, davam conforto jurídico à defesa. O prazo de prescrição dos crimes, a anistia brasileira e as razões ponderáveis do refúgio eram três deles.
O advogado tinha ciência de que a discussão sobre o caráter político dos crimes seria polêmica. "Não é uma questão banal a qualificação do que seja um crime político, mas a qualificação do que seja devido processo legal é razoavelmente simples", sustenta. E este foi outro ponto técnico que usou em sua defesa. Consistia em demonstrar que seu cliente foi julgado uma segunda vez, com base em delação premiada dos membros do PAC e defendido por um advogado indicado pela organização. "Em qualquer lugar do mundo se acenderia uma luz amarela, de que ali não houve devido processo legal."
O receio de Barroso se confirmou e sua primeira tese foi derrubada pelo Supremo em novembro de 2009. Por cinco votos a quatro, os ministros decidiram que o ato de refúgio do ministro da Justiça é sujeito ao controle judicial. Em consequência, acolheram o pedido de extradição do governo italiano. O advogado insistia — e ainda insiste — que se trata de um ato político, discricionário: "Com o respeito devido e merecido, o Supremo errou".
Barroso ressalva que mesmo o ato político tem de ser plausível. Ou seja, se o ministro da Justiça concede refúgio a um estrangeiro com o argumento de que seres de Marte invadiram o Brasil e tentaram abduzi-lo, o ato pode ser anulado. Por motivos óbvios. "Mas o ato embasado no fato de que, no clima que vivia a Itália no início da década de 1980, não era possível assegurar as garantias de um acusado de extrema esquerda ao devido processo legal, é bastante plausível", diz o advogado ao defender o ato do atual governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro.
A virada
A possibilidade, que veio a se confirmar, de perder na discussão sobre a tese de que o refúgio não poderia ser anulado pelo Supremo, fez com que Luís Roberto Barroso, antes do julgamento, se dedicasse a uma nova frente de batalha. O advogado trabalhou para manter a jurisprudência da Corte de que a última palavra em extradição é do presidente da República.
Havia o receio de que o tribunal mudaria sua posição tradicional também nesse quesito. Assim, no julgamento de 2009, eram duas as preocupações da defesa. Não perder por um placar muito elástico na extradição e resguardar a competência do presidente da República para que ele pudesse ratificar, com base em outros fundamentos, a posição do ministro Tarso Genro.
Nesse ponto, Barroso venceu. Pelo mesmo placar de cinco a quatro, o STF manteve a competência presidencial e abriu o caminho para a vitória final do advogado na última quarta-feira (8/6). Um placar elástico pela nulidade do refúgio e em favor da extradição colocaria o presidente em uma situação politicamente difícil para negar a entrega de Battisti diante do Supremo.
Efetivamente, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva mudou seus fundamentos ao decidir não entregar Battisti para a Itália. Tarso fundou sua decisão do refúgio na falta de devido processo legal na Justiça italiana. Lula se baseou na animosidade demonstrada pelos italianos em relação a Battisti.
O êxito se deveu também à mudança de foco da defesa no curso do processo. Quando Barroso sentiu que não seria capaz de mudar a percepção pública sobre Battisti, partiu para a batalha em torno da autonomia do chefe de Estado para conduzir suas relações internacionais. Nesta autonomia, incluem-se decisões sobre extradição.
"As pessoas já tinham a sua opinião formada e nós não tínhamos espaço na imprensa para reconstruir a imagem do Cesare. A tal ponto que quando saiu o parecer do procurador-geral da República da época, Antonio Fernando de Souza, segundo o qual a concessão de refúgio extinguia o processo de extradição, nós não conseguimos que isso fosse noticiado em nenhum órgão da grande imprensa", lembra Barroso.
Mais do que isso. O advogado explicou para mais de um jornalista importante que tratar Battisti como terrorista era incorreto pelo fato de que ele nunca havia sido acusado ou condenado por terrorismo nos processos italianos. Ouvia como resposta que o termo seria usado por conta da linha editorial do órgão. Barroso lamenta: "Desculpe-me, mas isso não é uma questão de linha editorial. Isso é um fato. É ou não é. No caso, não é".
De qualquer forma, depois de ganhar no quesito competência do presidente da República, o advogado foi a campo. Sem muitos contatos políticos, marcou audiências com autoridades do Planalto pelos meios convencionais e, exatamente como fez com os ministros do Supremo, defendeu suas convicções e entregou memoriais com sua versão e defesa do caso. Falou com o então chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, com o ministro da Justiça Luís Paulo Barreto e com o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams.
A tarefa não foi simples. Barroso teve como adversário Nabor Bulhões, um dos mais respeitados advogados do país, em defesa da Itália, além de dois ministros aposentados do Supremo Tribunal Federal: Carlos Velloso, que emitiu parecer em favor da extradição, e Francisco Rezek, que deu declarações públicas em apoio ao pleito italiano.
Depois da passagem pelos gabinetes, a defesa de Battisti, e o próprio, tiveram um longo período para exercitar a virtude da paciência. O trabalho estava feito e era necessário apenas esperar. Mais de um ano depois da primeira decisão do STF sobre o caso, no último dia de seu segundo mandato, em 31 de dezembro de 2010, o presidente Lula decidiu não entregar Battisti à Itália.
Luís Roberto Barroso logo entrou com pedido de liberdade no Supremo. Com o ato de Lula e a decisão da Corte que mantinha sua competência, a defesa alegou que restava apenas libertar Cesare Battisti. Não foi o que entendeu o presidente do Supremo, ministro Cezar Peluso. A Corte ainda analisaria se o presidente havia cumprido os limites do tratado de extradição firmado entre Brasil e Itália.
O governo italiano também recorreu pedindo que Battisti não fosse solto até nova manifestação do STF e alegou que Lula havia descumprido a decisão do tribunal. Ganhou a primeira e perdeu a segunda.
Battisti ficou preso até o novo julgamento, na última quarta-feira, cinco meses depois do ato de Lula. Mas os ministros decidiram, por seis votos a três, que é legal o ato do ex-presidente, que negou a extradição de Battisti pedida pelo governo da Itália. Mais: que o governo italiano sequer poderia ter contestado o ato, por uma questão de soberania nacional. Ou seja, um Estado estrangeiro não pode contestar, no Supremo, um ato do chefe do Poder Executivo brasileiro na condução da política internacional.
O Supremo também fixou que, depois que a Corte determina a extradição, a decisão de entregar ou não o cidadão que o Estado estrangeiro pede ao Brasil é discricionária. Ou seja, cabe apenas ao presidente da República decidir e o Judiciário não pode rever a decisão. Exatamente a tese que Barroso abraçou logo após perder o debate sobre o refúgio.
Para o bem da verdade, Barroso teve um bom reforço em seu trabalho. Os dois pareceres da Procuradoria-Geral da República que vieram ao encontro de sua tese e os quatro advogados de sua equipe que se dedicaram com afinco ao caso, principalmente no último semestre, por conta de sua estadia na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, como professor visitante. Em seu blog, o advogado faz referência aos profissionais: Eduardo Mendonça, Renata Saraiva e Carmen Tiburcio, que trabalharam sob a coordenação de Ana Paula de Barcellos.
Contato pessoal
Paralelamente à batalha jurídica, coube a Barroso também o papel de conselheiro de Cesare Battisti. Depois de conversar com o italiano pela primeira vez e aceitar defendê-lo, sua orientação inicial foi que ele parasse de escrever cartas para as mais variadas pessoas, como sempre fazia. Também pediu que não concedesse entrevistas.
A ideia era fazer uma defesa técnica e evitar discussões pela imprensa. A parte das entrevistas foi simples de cumprir. O difícil para Battisti, preso, era parar de escrever as cartas. Barroso sugeriu: "Continue a escrever, mas mande as cartas para mim". Foi o que ele fez. Com isso, o advogado guarda uma rica e histórica correspondência.
No final de 2009, quando Battisti decidiu fazer greve de fome, Luís Roberto Barroso foi até a Papuda tentar demovê-lo da ideia. Foi franco. "Não posso viver sua vida e tenho de respeitar suas decisões, mas se você tivesse me perguntado, teria dito que não deveria fazer isso", disse-lhe o advogado.
Dias depois, o presidente Lula declarou que não se sentia pressionado pela greve de fome. Barroso voltou ao presídio. "Cesare, a única pessoa que pode decidir seu destino não se comoverá com essa greve de fome. Pense bem antes de continuar com isso", aconselhou.
O advogado recebeu, depois, a notícia de que Battisti havia encerrado seu protesto. Para se certificar, foi até a Papuda com uma caixa de biscoitos caseiros, feitos por sua sogra. Perguntou se ele tinha, de fato, encerrado a greve de fome. Ao receber a resposta afirmativa, Barroso emendou, para se certificar da decisão: "Então, prove um desses biscoitos." Battisti provou.
Os dois últimos conselhos de Barroso a Battisti foram dados já na madrugada de quinta-feira (9/6), pouco antes de o italiano deixar o presídio de carro junto com Luiz Eduardo Greenhalgh. Primeiro, pediu que ele espere um pouco antes de dar entrevistas, que se recomponha, retome sua vida, reveja sua família e, só então, fale. Segundo, que não critique qualquer das decisões do Supremo Tribunal Federal sobre o seu caso. "Olhe para frente e não cultive ressentimentos."
Barroso faz questão de destacar que nutre grande respeito e admiração por todos os ministros do Supremo, inclusive por Cezar Peluso, Ellen Gracie e Gilmar Mendes, que votaram contra suas teses. "Mesmo quando me vi no dever de criticar o presidente do Supremo porque ele decidiu não libertar o Cesare, fiz a contragosto, porque achei que ele acabou por fazer prevalecer sua posição, que era vencida no julgamento. Mas, às vezes, as pessoas estão em lados opostos", disse.
Apesar da obsessão por procurar limitar seus argumentos ao campo técnico-jurídico em suas ações, Barroso confessa que escolhe as boas causas também com o coração: "Hoje, mais do que quando eu era mais jovem e a vida mais difícil, posso escolher com algum conforto de que lado eu quero estar".
Para ele, o advogado não deve fazer juízos morais. Se o profissional se comporta eticamente e dentro da lei, não importa qual é a acusação contra o seu cliente. Mas, como qualquer pessoa, pode fazer juízos políticos internos para escolher seu campo de batalha.
Se no lugar de Cesare Battisti estivesse um agente das ditaduras latino-americanas acusado de tortura, nas mesmas condições, com o argumento de que foi condenado sem o devido processo legal, o advogado Luís Roberto Barroso o defenderia? "Acho que meu coração não bateria por ele. O que não significa que o direito dele não fosse necessariamente um bom direito. Mas gosto muito de uma frase do Julio Cortázar: 'Eu sei onde tenho o coração e por quem ele bate'."