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quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Os escravocratas contra Lula

Tradução do artigo Esclavistas contra Lula, de Martín Granovsky, feita pela Thalita Pires




Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula
Eles podem pronunciar sians po. É mais ou menos assim que se diz sciences politiques. Dizer Sciences Po é o suficiente para se referir ao encaixe perfeito de duas estruturas, a Fundação Nacional de Ciências Políticas na França e o Instituto de Estudos Políticos de Paris.

Não é difícil de pronunciar Sians Po. O difícil é entender, nesta altura do século XXI, como as ideias escravocratas permeiam as mentes das elites sul-americanas.

Esta tarde, o diretor da Sciences Po, Richard Descoings, entregará pela primeira vez o título de Doutor Honoris Causa a um latino-americano: o ex-presidente brasileiro, Luiz Inácio "Lula" da Silva. Descoings discursará, e Lula também, claro.

Para explicar corretamente sua iniciativa, o diretor convocou uma reunião em seu escritório na Rue Saint Guillaume, perto da igreja de Saint Germain des Pres, de onde se podiam ver castanheiros com folhas amareladas. Entrar na cozinha é sempre interessante. Se alguém vai para Paris para participar como palestrante em dois eventos, um sobre a situação política na Argentina e outra no das relações entre Argentina e Brasil, não é mau entrar na cozinha em Sciences Po.

Pensa o mesmo a historiadora Diana Quattrocchi Woisson, que dirige o Observatório de Paris sobre a Argentina contemporânea, é diretora da Instituto das Américas e foi quem teve a idéia de organizar atividades acadêmicas na Argentina e no Brasil, do qual também participou o economista e historiador Mario Rapoport, um dos fundadores do Plano de Phoenix há 10 anos.

Claro que, para ouvir Descoings, haviam sido convidados vários colegas brasileiros. O professor Descoings quis ser agradável e didático. A Sciences Po tem uma cátedra sobre o Mercosul, os estudantes brasileiros vão cada vez mais para a França, Lula não saiu da elite tradicional brasileira, mas atingiu o maior nível de responsabilidade no país e aplicou planos de alta eficácia social.

Um dos meus colegas perguntou não havia problema premiar quem se gaba de nunca ter lido um livro. O professor manteve a calma e olhou espantado. Talvez ele saiba que essa jactância de Lula não consta em atas, embora seja verdade que ele não tenha título universitário. Tanto é verdade que quando ele assumiu o cargo em 1º de janeiro de 2003, levantou o diploma dado aos presidentes do Brasil e disse: "Pena que minha mãe morreu. Ela sempre quis que eu tivesse um diploma e nunca imaginei que o primeiro seria o de presidente da república. " E chorou.

"Por que premiar um presidente que tolerou a corrupção?" foi a pergunta seguinte.

O professor sorriu e disse: "Olhe, a Sciences Po não é a Igreja Católica. Não entra em análises morais nem tira conclusões precipitadas. Deixamos esse e outros assuntos importantes, como a chegada da eletricidade em favelas em todo o Brasil e as políticas sociais, para o julgamento histórico." Ele acrescentou: "Hoje, que país pode medir outro moralmente? Se você quer levar a questão mais longe no tempo, lembre-se que um alto funcionário de outro país teve que renunciar por ter plagiado uma tese de doutorado de um estudante." Ele falou de Karl-Theodor zu Guttenberg, ministro da Defesa alemão até que se soube do plágio. Além disso: "Não desculpamos, não julgamos. Simplesmente não damos lições de moral a outros países."

Outro colega perguntou não havia problema em premiar quem uma vez chamou Muammar Khadafi de irmão. Com desculpas devidas, que foram expressas para o professor e colegas, a impaciência argentina levou a perguntar onde Khadafi tinha comprado suas armas e que país refinava petróleo, bem como o comprava. O professor deve ter ficado grato que a questão não citou, por nome e sobrenome, a França e Itália.

Descoings aproveitou para destacar em Lula "o homem de ação que mudou o curso das coisas" e disse que a concepção de Sciences Po não é o ser humano como "um ou outro", mas como "um e outro", destacando o et, que significa "e" em francês.

Diana Quattrocchi, como uma latino-americana que estudou e se doutorou em Paris após sair de uma prisão na ditadura na Argentina graças à pressão da Anistia Internacional, disse que estava orgulhosa de que a Science Po tenha dado o Honoris Causa a um presidente da região e perguntou quais eram os motivos geopolíticos para isso.

O mundo todo se pergunta", disse Descoings. "E nós temos que ouvir todos. O mundo ainda nem sabe se a Europa vai existir no ano que vem."

Na Science Po, Descoings introduziu incentivos para que alunos presumivelmente em desvantagem pudessem passar no exame. O que é chamado de discriminação positiva ou ação afirmativa, e parece, por exemplo, com a cota exigida na Argentina para que um terço das candidaturas ao legislativo sejam de mulheres.

Outro colega brasileiro perguntou, com ironia, se o Honoris Causa a Lula era um exemplo de ação afirmativa da Science Po.
Parte da elite daqui parece ter saudades de tempos idos
Descoings observou-o cuidadosamente antes de responder. "As elites não são apenas educacionais ou sociais", disse ele. "Aqueles que avaliam os que são melhores são os outros, não aqueles que são iguais. Se não, estaríamos diante de um caso de elitismo social. Lula é um torneiro que se tornou presidente, mas até onde entendo, foi eleito por milhões de brasileiros em eleições democráticas."

Como Cristina Fernández de Kirchner e Dilma Rousseff na Assembléia Geral da ONU, Lula enfatizou que a reforma do FMI e Banco Mundial estão atrasadas. Ele diz que essas agências, como funcionam hoje, "não servem para nada". Os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul) ofereceram ajuda para a Europa. A China sozinha tem o maior nível de reservas no mundo. Em um artigo publicado no El Pais os ex-primeiros-ministros Felipe Gonzalez e Gordon Brown pediram maior autonomia para o FMI. Eles querem que o organismo seja o auditor do G-20. Em outras palavras, eles querem o oposto do que pensam os Brics.

No meio dessa discussão, Lula chegará à França. É conveniente avisá-lo que, antes de receber um Honoris Causa na Sciences Po, ele deveria pedir desculpas para a elite do seu país. Um metalúrgico não pode ser presidente. Se por algum acaso chegou ao Planalto, agora deveria se esconder. No Brasil, a casa-grande das propriedades eram reservadas aos proprietários de terras e escravos. Então, Lula, agora silêncio, por favor.

A casa-grande tem raiva.

O original está aqui.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

...o interesse público, os fins e os meios...

Se nem para processar um criminoso, de nítido interesse público, meios ilícitos são permitidos, porque o seriam para produzir uma reportagem?





Na semana que passou, um jornalista da revista Veja foi acusado de ter tentado ingressar sem autorização no apartamento do ex-deputado José Dirceu e a própria revista de ter se utilizado de câmaras no hotel onde estava hospedado para flagrar políticos e autoridades que com ele se reuniam.

O hotel chegou a registrar Boletim de Ocorrência e as redes sociais repercutiram intensamente o episódio, mas o assunto foi praticamente ignorado pela grande imprensa.

Em se tratando dos personagens envolvidos, a prudência recomenda mesmo cautela, pois a denúncia partia justamente de quem se veria, nos dias seguintes, acusado de conspiração pela revista semanal. Já cassado e réu de um processo criminal, Dirceu tem todo o interesse em desacreditar quem lhe critica.

Mas o prolongado silêncio sobre o assunto, que chegou aos Trending Topics, insinua uma certa dose de corporativismo, defeito que é diuturnamente cobrado das autoridades pela própria imprensa.

O colunista Fernando de Barros e Silva, da Folha de S. Paulo, tocou no assunto nesta semana: "Não sei em que condições foi produzida a reportagem sobre a romaria de políticos ao quarto de hotel de José Dirceu, em Brasília, mas as imagens são boas e têm óbvio interesse público".

A questão que me intriga é a seguinte: saber "em que condições foi produzida a reportagem" também não é relevante ou será suficiente que ela tenha "óbvio interesse público"?

Seria razoável supor que na imprensa o conteúdo supere a forma, ou em outras palavras, que os fins justifiquem os meios?

A acusação de Dirceu e dos responsáveis pelo hotel provavelmente suportará investigações - quem trabalha com o direito penal sabe que um Boletim de Ocorrência é, muitas vezes, apenas uma versão unilateral do fato. A última coisa que poderia sugerir é uma condenação sem qualquer defesa ou prova.

Mas independente do resultado das apurações, e diante da circunstância do generalizado desprezo pela integridade dos meios, parece ser o caso de discutir a questão de fundo: o interesse público é o único limite para uma reportagem?

Recentes acusações contra um jornal do magnata Rudolph Murdoch, na Inglaterra, mostraram até onde é possível chegar a busca por uma revelação.

Grampos telefônicos de importantes autoridades conversando sobre temas de economia e política poderiam justificar o "interesse público". Mas quem seria capaz de concordar com tais métodos?

No direito, o tema de provas produzidas de forma ilícita, em nome do mesmo interesse público, suscitou muitas polêmicas. Houve até quem entendesse que os crimes do Estado podiam valer a pena, se fossem para apurar delitos graves.

Cada vez mais, no entanto, vem se firmando uma regra basilar: na democracia, tantos os fins quanto os meios devem ser legítimos.

Nossa Constituição, por exemplo, sepultou as dúvidas frisando que são inadmissíveis no processo as provas produzidas de forma ilícita.

O STF, ao interpretar o dispositivo, reconheceu ainda a teoria dos frutos da árvore envenenada, o que nasceu de forma irregular jamais se transforma em legal.

Não tem qualquer valor para o direito a confissão obtida sob tortura. A interceptação telefônica sem autorização judicial ou a violação de domicílio sem mandado também não servem como provas.

O que está por trás dessa ideia é o sentido ético do processo.

O Estado não pode punir criminosos cometendo outros crimes. Surge daí uma recomendação profilática que molda o tipo de agente que a democracia deve formar.

Se nem para processar um criminoso, de nítido interesse público, meios ilícitos são permitidos, porque o seriam para produzir uma reportagem?

A defesa incondicional da liberdade de expressão e a proibição da censura são combustíveis indispensáveis a qualquer democracia que se preze. Não devemos abrir mão delas sob nenhuma hipótese ou usar a perversão como álibi para reduzi-las.

Mas nem de longe o interesse público pode autorizar a violação de direitos fundamentais, seja na polícia seja na imprensa.

Submeter o direito individual ao interesse da sociedade é o que fazem os regimes totalitários. É o fascismo que sobrepõe a nação aos indivíduos, não as democracias.

Nem a busca da verdade pode nos permitir tudo. Também nas reportagens, os fins não justificam os meios.

A revolução não partirá do vão livre do MASP




Manhã fria e sem nuvens em São Paulo, e eles já se aglomeravam no vão livre do Masp, na avenida Paulista. Alguns cartazes (um deles citava a “justiça de Deus”), um certo barulho, alguns apitos, uma pitada de indignação e uma aparente desorientação representada pelo desavisado que errou de presidente ao erguer uma placa de “fora Lula, fora corrupção”… São dezenas (talvez duas centenas), a maioria jovens, protestando, no Dia da Independência, contra a corrupção.


Na organização do evento, espalhada pelas redes sociais, os pontos de exclamação se proliferam como lanças afiadas. Não se sabe exatamente o alvo, mas estão ali, exigindo que não sejamos omissos. Nada contra as boas intenções, mas o discurso que antecede a exclamação, mesmo que dentro de míseros 140 caracteres, propaga antes a preguiça que a indignação.


Em São Paulo, os mesmos pontos de exclamação já foram mais simpáticos. Mais bem-humorados também. Outro dia o Facebook ajudou a levar a Higienópolis uma galera que queria dar as caras e mostrar que, diferentemente da população local, não tinha vergonha de ser “diferenciada”. Foi a maneira encontrada para avisar que a questão do transporte público era mais nobre que o eventual incômodo causado pela democratização do acesso ao bairro. Funcionou: a associação de senhoras e senhores que reivindicava o direito ao isolamento se calou, o governador se manifestou, e a questão passou a ser discutida com seriedade. Ponto para os manifestantes.


Questão pontuais, e mais que legítimas, também levaram manifestantes às ruas em São Paulo em tempos recentes. Na intenção de escancarar o repúdio à opressão masculina, ainda reinante em rodas de conversa e abordagens pelas ruas, mulheres organizaram a Marcha das Vadias pelo direito de usar saia sem precisar ser agredida. Ponto para elas.


Mesmo a mais polêmica das marchas, a da maconha, propunha-se a provocar uma discussão pública: seremos obrigados a tomar bala perdida em nossas casas por um combate ao tráfico que enxuga gelo e pode ser desatado de outros modos? Ponto para os manifestantes, que chamaram a atenção para a imprensa e os órgãos públicos para a discussão, gostem dela (e da fumaça) ou não.


Mas o que seria protestar contra a corrupção? A organização, por meio do Facebook, explica: é uma “guerra contra o mau político, contra a corrupção que assola nas esferas federal, estaduais e municipais, contra as obras superfaturadas, contra as licitações viciadas e fraudulentas, contra os desvios de verbas, contra o ‘retorno’ (comissão) cobrado por políticos e funcionários públicos para liberação de verbas públicas, e contra a degradação da nação está começando (sic)”.

Faltou pedir para que as pessoas saiam às ruas – com bandeiras e fitas verde e amarelas, frise-se – contra a maldade humana, contra o frio, contra os enjoos nos navios, contra a gripe, contra a frieira, contra aquelas malditas tomadas de três pontas, contra o mau futebol, contra o provedor de internet que só garante 10% da velocidade e contra o suco de laranja a 4 reais. Um manifesto contra tudo isto que está aí teria somente o mesmo efeito: um grande grito por mudanças para que tudo continuasse exatamente igual, salvo a indignação e a sensação de distinção de quem afirma não compactuar com os desmandos de mandatários que, colocados assim, parecem distantes de tudo, numa outra realidade.



Os pontos de exclamação – tanto contra a corrupção como contra as tomadas de três pontas – são justos. Denotam preocupação com o estado das coisas, num certo modo, digamos, paulistano de demonstrar indignação. E que, na prática, nada traz de novo, ainda que os pontos de exclamação estejam afixados em cartazes impressos em mimeógrafos, impressoras a laser ou na fluidez do Facebook. No Brasil, a experiência da queda do primeiro presidente eleito, sem base no Congresso e na grande imprensa, deu a impressão de que sair de preto às ruas em sinal de protesto era causa e não efeito de algo já consolidado. Desde então, todos querem ser um cara-pintada quando crescer. Todos querem sair caminhando e cantando e seguindo a canção e ter uma causa. Mas a canção, num país de democracia minimamente consolidada e órgãos de controle minimamente operantes, passa a ser outra. Tirar o feriado para pedir o fim da corrupção, nesses termos e alguns pontos de exclamação, só faz lembrar uma antiga música em que Raul Seixas dizia: “O que você quer em sua vida é só paz, muitas doçuras, seu nome em cartaz, mas fica arretado se o açúcar demora, e você chora, você berra, você pede, implora…”


Pode não parecer, mas o combate à corrupção é feito sem estardalhaço. É feita por meio de pressão, e mais pressão, sobre quem permite pequenas brechas que possibilitam desvios e travam a transparência no País. Enquanto pontos de exclamação pipocam nas telas do computador e apitos na Paulista, uma discussão sobre reforma política é desenhada em Brasília: nos corredores do Congresso, debate-se as formas de financiamento de campanhas (“te ajudo hoje, você me ajuda amanhã”), a regulação do lobby (“quem são eles?”), emendas parlamentares (“por oito reais para minha base, voto com o governo até para enforcar a mãe”). Amadurece, ao mesmo tempo, a hora para novos debates, num País que ainda discute de que maneira delitos políticos são passíveis de punição. Vide o caso Jaqueline Roriz, cujo escrutínio da opinião pública passou ao largo de uma votação secreta.


Talvez seria pedir demais que se entendesse os mecanismos de corrupção – de duas vias, quase sempre, entre público e privado – antes de sair às ruas pedindo a extinção de um inimigo que poucos reconhecem o rosto. Sem isso, a manifestação passa a ter como alvo a representação pública, a própria democracia, e não o corruptor em si – mas para isso, e aí sim seria pedir muito, é preciso dar nome aos bois. Que tal o das grandes construtoras ou outras grandes detentoras de contratos públicos cujos diretores aplaudimos de pé quando aparecem na tevê para dar palestras ou testemunhos sobre como vencer na vida?


Como lembra o cientista político Leonardo Avritzer, da UFMG, em recente artigo nesta CartaCapital, “sem corrigir alguns processos na organização do Estado e do sistema político, a corrupção voltará a estar presente nestes mesmos lugares”, faça a presidenta Dilma Rousseff a “faxina” que quiser. Porque todos os debates acima colocados ainda engatinham. E engatinham com ou sem o grito dos indignados, hoje patrocinados pela OAB e pela CNBB.


Diante de tudo isso, é possível garantir que, enquanto algumas dúzias de paulistas gritam contra a corrupção, os probos que livraram Roriz e se aboletam sobre obras públicas (para desviar o “nosso dinheiro que pagamos com tanto sacrifício”, como diz o protesto) riem. Ou dormem neste feriado.


Nesse cenário, o vago protesto contra a corrupção não deixa de ser didático. Ao menos mostra que, enquanto ingenuidade e instrumentalização política marcharem juntas, fica quase impossível dizer que, no Brasil, a revolução ainda será Twittada, como no mundo árabe. Quando o for, ela não partirá do vão livre do Masp.