De FHC para Lula
De Lula para Dilma
O mito da herança bendita
A situação econômica do Brasil no final de 2002 era extremamente frágil. O crescimento do PIB era lento e a inflação tinha atingido dois dígitos e estava acelerando.
Durante a campanha presidencial daquele ano o Brasil foi alvo de um forte ataque especulativo na forma de redução nas linhas de financiamento externo para o país, aumento no prêmio de risco exigido por credores para adquirir títulos brasileiros e forte depreciação do real:
· O risco país aumentou de 963 pontos básicos (pb) , em dezembro de 2001, para 1.460 pb, em dezembro de 2002.
· No mesmo período a taxa de câmbio real/dólar norte americano subiu de 2,32 para 3,53, uma depreciação nominal de 52%.
· A entrada líquida de capital externo caiu de US$ 27 bilhões, em 2001, para US$ 8 bilhões, em 2002.
· As reservas internacionais do Brasil eram de apenas US$ 37,8 bilhões, dos quais US$ 20,8 bilhões correspondiam a um empréstimo junto ao FMI.
· A dívida líquida do setor público subiu de 52,2% do PIB, no final de 2001, para 60,6% do PIB, no final de 2002.
· A inflação ao consumidor acelerou de 7,7% ao ano, em 2001, para 12,5% ao ano em 2002.
· E, com o fim do racionamento de energia, o crescimento da economia aumentou de 1,3% em 2001 para 2,7% em 2002.
O mito da continuidade da política econômica
O governo Lula manteve a política macroeconômica baseada no sistema de metas de inflação, metas de superávit primário e câmbio flutuante. Houve continuidade neste arcabouço institucional, mas a condução da política macroeconômica mudou bastante no governo Lula, com a adição de novas metas e prioridades.
· Em contraste com o governo anterior que estabeleceu uma rápida redução nas metas de inflação, de 9% em 1999 para 3,5% em 2002, o governo Lula adotou uma postura gradualista. As metas de inflação caíram mais lentamente e isso contribuiu para a aceleração no crescimento do PIB e a redução na taxa real de juro da economia.
· Na política cambial o governo Lula manteve o câmbio flutuante, mas acumulou um grande estoque de reservas internacionais. No governo anterior, o Banco Central sempre operou com um baixo volume de reservas internacionais.
· Na política fiscal o governo Lula manteve a política de metas de resultado primário, mas reorientou as prioridades do orçamento público para aumentar o combate à pobreza e à desigualdade, recuperar o investimento público em infra-estrutura e em educação. Com isto, houve uma redução substancial na dívida líquida do setor público, de 60,6% do PIB em 2002, para 41,5% do PIB em 2010.
O mito do gasto público excessivo
Segundo analistas a expansão excessiva do gasto público seria incompatível com o crescimento da economia, pois ela exige uma taxa de juro mais elevada e inibe o investimento privado. Além disso, para tais analistas o aumento no gasto primário da União também seria ruim por que o Estado é sempre e em qualquer lugar mais ineficiente do que o setor privado.
Quando nós olhamos para os resultados objetivos, o quadro é bem diferente do retratado pelos críticos da política fiscal do governo Lula:
- o crescimento do PIB acelerou ao invés de desacelerar
- o crescimento da produtividade também acelerou e a inflação continuou a cair
- a taxa real de juro também caiu, de 16% ao ano no início de 2003 para 6% ao ano no final de 2010.
Além disto, é importante verificar para onde foram este aumento de gastos.
· A despesa primária da União aumentou de 15,7% do PIB em 2002 para 18,6% do PIB em 2010, uma elevação de 2,9 pp do PIB. A maior parte de aumento foi para:
o transferências de renda às famílias, que aumentaram de 6,8% do PIB em 2002 para 9,0% do PIB em 2010, uma elevação de 2,2 pp do PIB.
o investimento da União, que aumentou de 0,8% do PIB em 2002 para 1,2% do PIB em 2010, uma elevação de 0,4 pp do PIB.
o demais despesas primárias subiram de 8,1% do PIB em 2002 para 8,3% do PIB em 2010, a maior parte para a educação.
· A despesa da União com a folha de pagamentos ficou relativamente estável e passou de 4,8% do PIB em 2002 para 4,7% em 2010. Isto ocorreu apesar do aumento na contratação de 150 mil funcionários públicos e da recuperação nos salários do funcionalismo.
Portanto, a prioridade da política fiscal do governo Lula foi combater a pobreza e a desigualdade através do aumento nas transferências de renda. Esse aumento deu o impulso inicial para o atual ciclo de desenvolvimento baseado na expansão do mercado interno. Ao final do governo Lula, com a recuperação do nível de funcionários, o governo federal gastou um valor praticamente igual ao verificado em 2002, em termos do tamanho da economia.
O mito da carga tributária excessiva
Segundo analistas, o aumento na carga tributária causa ineficiências, prejudica o crescimento da economia e aumenta a informalidade.
Os números dos últimos anos apontam para a aceleração do crescimento do PIB e da produtividade, da formalização das empresas e dos empregos e dos lucros e salários.
O aumento não foi explosivo. Ao contrário, foi menor do que no governo anterior.
· Em 2009 a carga tributária do Brasil foi equivalente a 33,6% do PIB devido à crise econômica. Em 2010 a carga tributária total do Brasil deve atingir 35% do PIB.
· Dos 35% do PIB, o governo federal arrecada diretamente 24% do PIB. O restante vem de estados e municípios.
· De 1998 a 2002, arrecadação do governo federal passou de 19,9% do PIB para 22,2% do PIB em 2002, aumento de 3,3 pp do PIB em 4 anos.
· No governo Lula, a arrecadação passou de 22,2% do PIB em 2002 para 24,0% do PIB em 2010, aumento de 1,8 pp do PIB ao longo de oito anos.
· Este aumento foi preponderantemente resultado do bom desempenho da economia e da maior formalização das empresas e do mercado de trabalho.
· O ganho de arrecadação foi devolvido à sociedade na forma de transferências de renda. Excluindo-se do cálculo as transferências constitucionais da União aos Estados e Municípios e as transferências de renda às famílias, a receita efetivamente disponível para União passou de 11,0% do PIB em 2002 para 10,9% do PIB em 2010.
O mito da taxa de investimento
Apesar do aumento no investimento por parte da União aumentou em 50% em termos do PIB, de 0,8% em 2002 para 1,2% em 2010, alguns analistas argumentam que o investimento da União ainda é baixo, sobretudo quando comparado com outros países ou com o próprio Brasil no passado.
· A maior parte do incentivo do governo federal ao investimento ocorre via incentivos tributários e financeiros ao invés de despesas diretas no orçamento geral da União. Neste sentido, o principal critério para julgar a política do governo deve ser a taxa de investimento total da economia.
· Durante o governo FHC houve retração no investimento: a taxa de investimento foi de 17,4% do PIB no primeiro mandato (1995-98) e 16,9% do PIB no segundo mandato (1999-02).
· Durante o governo Lula a taxa de investimento foi de 16,9% do PIB no primeiro mandato (2003-06) e de 18,2% do PIB no segundo mandato (2007-10). O governo Lula aumentou substancialmente o investimento após o lançamento do PAC.
· Considerando apenas 2010, a taxa de investimento deve atingir 19% do PIB, ou seja, nesse quesito o PAC foi um sucesso.
Considerando apenas o investimento público, também é preciso ressaltar alguns pontos que desacreditam as críticas usuais feitas ao governo Lula neste campo.
· Comparar o investimento público de hoje com o investimento público realizado nos anos 70 é incorreto, pois naquela época grande parte das obras de infra-estrutura era realizada diretamente pela União, enquanto que agora os gastos são realizados pelo setor privado na forma de concessões (hidroelétricas, rodovias, ferrovias, etc).
· Com relação às estatais, o mais correto é comparar os investimentos das empresas que permaneceram estatais desde 1970 (devido às privatizações) e, neste caso, os resultados do governo Lula são altamente positivos devido ao crescimento dos investimentos da Petrobras.
· Em números, o investimento da Petrobras passou de 0,9% do PIB em 2002 para 2,1% do PIB em 2010, uma expansão de 1,2 pp do PIB ao longo do governo Lula. Considerando apenas 2010, a Petrobras será responsável diretamente por 11% de todo o investimento realizado no Brasil.
O mito do abandono das reformas institucionais
No início de seu mandato, o Presidente Lula enviou ao Congresso Nacional uma proposta de reforma na previdência do servidor público e uma proposta de mini-reforma tributária, com modificação na sistemática de arrecadação do PIS/COFINS e prorrogação da DRU e da CPMF.
As duas iniciativas foram aprovadas e contribuíram para a sustentação do crescimento econômico nos anos subseqüentes. Nos anos seguintes, o governo Lula empreendeu uma série de reformas nas leis e na regulação dos mercados, mas que não receberam destaque na mídia devido ao seu baixo impacto no curto prazo. Assim, criou-se um mito de que o governo Lula abandonou a agenda de reformas, sobretudo nos últimos quatro anos (ver relação em anexo)
Nos pontos onde não houve avanço, com destaque para a reforma tributária e para a reforma da previdência social, o problema foi mais a falta de consenso da sociedade sobre temas do que a ausência de propostas por parte do governo federal.
ANEXO
ECONOMIA: Medidas para melhorar ambiente de negócios:
· Reforma da previdência do servidor público, aprovada em 2003, com instituição da idade mínima e contribuição de 20% por parte dos inativos. Esta reforma estabilizou o déficit da previdência do servidor público em % do PIB.
· Nova lei de falências, aprovada em 2004, que agilizou a solução de problemas para empresas em dificuldades e reduziu o custo de inadimplência.
· Patrimônio de afetação, aprovado em 2005, que diminui o custo de empreendimentos imobiliários e estimulou o investimento na construção de residências.
· Desoneração dos impostos federais sobre computadores, aprovada em 2005, que aumentou a formalização do mercado, barateou os produtos e ampliou o acesso da população à tecnologia de informação e comunicação.
· Nova Lei da MPMEs, com criação do Supersimples, aprovado em 2007, que possibilitou a formalização de pequenos negócios e aumentou a arrecadação do governo.
· Ampla renegociação das dívidas agrícolas, aprovada em 2007, que possibilitou a quitação de débitos anteriores com descontos, sobretudo para pequenos produtores, e retirou milhares de produtores rurais da inadimplência.
· Devolução mais rápida dos créditos tributários acumulados por investimentos, aprovada em 2007, que diminui o custo financeiro das empresas e estimulou a ampliação da capacidade produtiva.
· Regime tributário especial para infra-estrutura (REIDI), aprovado em 2007, que desonerou as obras prioritárias do PAC.
· Fim da cobertura cambial, aprovada em 2007, que desobrigou os exportadores de internalizarem suas receitas cambiais e, desta forma, reduziu os custos financeiros da exportação.
· Regulação das tarifas bancárias, em 2007, e das tarifas de cartões de crédito, em 2009, que aumentaram a transparências do mercado e deram mais poderes aos consumidores.
· Regulação dos sistemas de pagamentos em financiamentos imobiliários, aprovada em 2009, que eliminou incerteza jurídica em novos contratos habitacionais e estimulou o desenvolvimento do crédito imobiliário.
· Regime especial de tributação para a construção de habitações populares, aprovada em 2009, que reduziu a tributação indireta sobre firmas de construção e barateou habitações para famílias de menor renda.
· Nova lei do gás, aprovada em 2009, que regulamentou o acesso a rede de transporte e distribuição de gás, de modo a atrair novos investimentos e evitar práticas que limitem a concorrência.
· Margem de preferência em compras governamentais, aprovada em 2010, que possibilita a utilização das compras públicas como instrumento de desenvolvimento econômico e tecnológico, com transparência e prestação de contas.
· Devolução mais rápida dos créditos tributários acumulados por exportações, iniciada em 2010, que diminuirá o custo financeiro das empresas exportadoras.
· Desenvolvimento do mercado de capitais, com criação de novos instrumentos e incentivos tributários para títulos de longo prazo e para o financiamento de infra-estrutura, iniciada ao longo de 2010, que possibilitará maior participação do mercado no financiamento do investimento.